Todos os dias, desde fevereiro, Gabriel Lanza Broc costumava sentar à mesa da cozinha na casa da família, no bairro João Costa, na zona Sul de Joinville, posicionar sobre a mesa o mesmo cartão que usava em cima da carteira escolar, no qual está escrito seu nome completo, e, diante deste cenário, cumprir as tarefas de casa do primeiro ano do Ensino Fundamental.
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Em 19 de junho, no entanto, os pais do menino foram chamados à Escola de Educação Básica Gertrudes Benta Costa para receberem um aviso inesperado: Gabriel não poderia mais frequentar a escola porque, segundo a lei, está fora do corte etário determinado pelo Ministério da Educação. O limite para matrícula no primeiro ano é para crianças nascidas até 31 de março, e Gabriel só completou seis anos em 18 de abril.
As últimas páginas preenchidas nos cadernos caprichados do menino são de 20 de junho. Há pouco mais de uma semana, Gabriel está em casa, descumprindo leis federais. Segundo a Emenda Constitucional nº 59, incluída na Constituição Brasileira em 2009; e a lei nº 12.796, acrescentada à Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional em 2013, é obrigatório que todas as crianças e adolescentes de quatro a 17 anos estejam matriculadas na educação básica.
O pais, Fabiano Broc e Ana Paula Lanza, no entanto, não sabem o que fazer. Gabriel não poderia ser matriculado, no meio do período letivo, em uma escola de ensino fundamental da rede municipal ou privada, já que a instituição de ensino afirma que não é possível emitir o histórico escolar provando que ele cursou o primeiro ano durante estes cinco meses. Ao mesmo tempo, a família não concorda que ele seja obrigado a retroceder para a Educação Infantil.
Segundo o boletim do primeiro bimestre, Gabriel cumpria todos os objetivos propostos aos alunos do primeiro ano e foi avaliado com um desempenho de 85%.
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— Ele já está quase alfabetizado, e estava muito empolgado com a escola. Se não estivesse conseguindo acompanhar, eu até aceitaria que ele voltasse para o Cei, mas ele ia muito bem — conta o pai.
O problema com a matrícula de Gabriel aconteceu porque até 19 de dezembro de 2016, as escolas de Santa Catarina, Paraná e Rio Grande do Sul se beneficiavam de uma liminar que possibilitava que alunos que completassem seis anos até o fim do ano letivo pudessem ser matriculados no primeiro ano do Ensino Fundamental.
Gabriel foi matriculado em 24 de novembro, portanto, antes da liminar ser derrubada e os três estados voltarem a cumprir a resolução do Conselho Nacional de Educação de nº 01/2010, que estabelece o corte etário até 31 de março. Crianças que nasceram após esta data devem cumprir mais um ano da Educação Infantil, mesmo que já tenham passado dois anos ou mais nos Centros de Educação Infantil.
— Se tivessem avisado sobre isso antes do início das aulas, eu até concordaria, porque é lei. Mas em nenhum momento falaram sobre isso durante estes meses em que ele estava na escola — diz Fabiano.
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Enquanto isso, ele e Ana Paula se preocupam que este período cause confusão e abatimento sobre o filho. O menino estava orgulhoso do bom desempenho, querendo mostrar o boletim com avaliações positivas e animado com o processo de aprendizado. Desde que descobriu que não poderia mais ir à escola, ficou quieto e sonolento, apresentando um comportamento bem diferente do estudante que há meses afirma para os pais que, quando crescer, quer ser advogado.
— Ele pergunta porque os colegas da mesma idade continuam indo às aulas e ele não pode mais. Estava esperando com ansiedade pela festa junina da escola, e agora não estará lá para participar — lamenta a mãe.
Para tentar resolver o caso, a família de Gabriel já entrou em contato com a Defensoria Pública de Joinville e tem reunião agendada para 6 de julho. Segundo a defensora Larissa Gazzaneo, o caso ainda não pode ser comentado pelo órgão, mas ela afirma que não há histórico de outros casos semelhantes registrados pela Defensoria na cidade.
No início do ano, uma família entrou com mandado de segurança e conseguiu que um menino de seis anos — nascido em 30 de maio — tivesse a matrícula aceita, já que ela havia sido feita em novembro para uma escola do bairro Boa Vista.
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A Gerência Regional de Educação foi procurada pela reportagem e afirmou estar analisando o caso, e divulgará um posicionamento na semana que vem.
Entenda o corte etário
Até 2005, quando foi implantado o ensino fundamental com duração de nove anos, a obrigatoriedade era de que crianças com sete anos de idade deveriam ser matriculadas na primeira série do Ensino Fundamental. Com as mudanças no ensino fundamental, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional foi alterada e passou a considerar os seis anos como a idade inicial para ingressar no primeiro ano.
Em 2010, uma resolução do Conselho Nacional de Educação estabeleceu que, para ser matriculada no ensino fundamental, o estudante teria que completar seis anos de idade até 31 de março do ano letivo. A mesma regra aplica-se aos alunos da educação infantil, que devem completar quatro anos até 31 de março para terem direito, por lei, de obter uma vaga na rede pública de ensino.
Estas resoluções foram alvo de ações judiciais, com a concessão de liminares suspendendo os efeitos dos artigos em algumas cidades e Estados — entre eles, os sistemas de ensino da área de abrangência do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, isto é, dos Estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Segundo a Gerência Regional de Educação de Joinville, a liminar perdeu validade em dezembro de 2016.
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