Registrar boletim de ocorrência em uma delegacia de Joinville nem sempre é uma tarefa fácil. O caso de um empresário de 35 anos, que preferiu não se identificar, representa bem a situação do cidadão que paga impostos e esbarra na lentidão do serviço público.

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Quando procurou uma delegacia na zona Norte, à noite, se deparou com a porta fechada e um aviso pedindo para que ele entrasse em contato pelo telefone. Ligou do celular várias vezes até que o único agente de plantão atendeu e abriu a porta.

:: PDF: criminalidade nos últimos três anos ::

Na segunda vez que precisou registrar o roubo do veículo da esposa, em uma tarde no final do ano passado, esperou quase três horas e, finalmente, quando foi atendido, se deparou com o desabafo do policial que fazia o registro de ocorrência.

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– Estou aqui fazendo um favor para a sociedade, pois minhas horas extras já se esgotaram e estou trabalhando de graça – teria resmungado o policial.

Depois de alguns dias, precisou retornar à delegacia para retificar o boletim, que estava incompleto.

– Isto é uma vergonha – reclama o empresário, que veio de São Paulo e mora há cinco anos em Joinville – Lá é muito mais ágil – frisou.

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Não é necessário ir tão longe para verificar a defasagem na estrutura da Polícia Civil em Joinville. Levantamento feito pelo Sindicato da Polícia Civil de Santa Catarina (Sinpol-SC) revela que o efetivo permanece o mesmo há 18 anos. Em 1996, único ano em que o Estado descentralizou a Academia de Polícia da Capital e abriu turma na maior cidade do Estado, o efetivo já era de 175 policiais, enquanto que a população era de pouco mais de 396 mil habitantes.

De acordo com o representante regional do sindicato, Cláudio Medeiros, entre saídas e substituições de policiais, o efetivo não alterou, mas a população aumentou 38%.

– O trabalho da Polícia Civil está vinculado diretamente ao crescimento da população por causa do número de procedimentos – ressaltou.

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Conforme avaliação do delegado regional Dirceu Silveira Júnior, o crescimento populacional da cidade, aliado ao desenvolvimento econômico, contribui tanto positiva quando negativamente, pois os índices de criminalidade crescem proporcionalmente. Basta observar as ocorrências contabilizadas pela Secretaria de Segurança Pública. Crimes com violência, como os roubos de veículos e residências, cresceram 48,75% e 43,58%, respectivamente, nos últimos dois anos.

Quadro defasado

No caso de homicídio, o patamar se mantém o mesmo. Pouco mais de 60 ocorrências foram registradas ao ano, em média, em 2011, 2012 e 2013. Porém, a Divisão de Homicídios conta com apenas um delegado, dois escrivães e seis agentes para dar conta de todas as investigações, sem contar os crimes sem solução que se acumulam de um ano para outro. Conforme o delegado responsável pela divisão, Paulo Reis, precisaria de, pelo menos, o dobro de policiais e uma delegacia especializada que pudesse ficar 24 horas de plantão.

Não é de hoje que a delegacia regional cobra o incremento de policiais em Joinville, principalmente nas carreiras de agente e escrivão. A espera pelo atendimento também não é uma surpresa para Dirceu, que atribui o problema à falta de recursos humanos.

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– O número de pessoas nas delegacias é insuficiente ao extremo – atesta o delegado regional.

Reflexo na investigação

As dificuldades não giram só em torno do atendimento, mas refletem também na investigação. A Divisão de Investigação Criminal – que atende a Joinville, Garuva, Itapoá, São Francisco do Sul, Balneário Barra do Sul e Araquari – conta com apenas 18 policiais entre delegados, escrivães e agentes. Esse efetivo precisa dar conta das divisões de homicídio, tráfico de drogas, roubo a banco e de carga, extorsão, sequestro e crimes que envolvam organizações criminosas.

No ano passado, a equipe comandada pelo delegado Jeferson Prado Costa, coordenador da DIC, prendeu uma quadrilha de Curitiba que vinha a Joinville para assaltar casas de luxo. O delegado precisou remanejar policiais de outras frentes de trabalho da divisão para empenhar esforços na investigação e efetuar prisões no Estado vizinho.

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– A demanda é muito grande e esbarramos na dificuldade de estrutura – destacou Jeferson na ocasião.

A Delegacia de Delitos de Trânsito é outro exemplo da falta de estrutura. Com um efetivo de apenas 13 policiais, no final do ano passado o delegado Abel Mantovani precisava lidar com mais de mil procedimentos acumulados desde 2011, sem contar os mais de cem inquéritos de ocorrências que envolvem vítimas no trânsito. Só no ano passado, 93 pessoas morreram em acidentes na cidade, conforme levantamento da SSP.

– O aumento da população exige naturalmente mais vigilância e recursos humanos – avaliou Jeferson.

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Maior cidade com menos policiais

Um levantamento feito pelo jornal “A Notícia”, com base em dados divulgados pelo sindicato da categoria, comparando a estrutura de Joinville com a Capital, mostra que Florianópolis tem 270% mais policiais que a maior cidade do Estado.

Se eliminarmos do cálculo os policiais que estão na Capital, porém pertencem às delegacias que atendem a todo o Estado, ainda assim Florianópolis supera em recursos humanos. São 93% mais policiais. Na prática, significa que em Florianópolis há um policial civil para cada 1.337 habitantes, enquanto que em Joinville há um policial para cada 3.125 habitantes.

Se levarmos em conta o número de habitantes das duas cidades e o índice de criminalidade, a diferença se torna ainda mais preocupante. De acordo com a última estimativa do IBGE, de 2013, Joinville é quase a 547 mil habitantes, quase cem mil habitantes a mais que Florianópolis, que tem cerca de 453 mil.

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Com base em dados divulgados pela Secretaria de Segurança Pública, no ano passado, os crimes que envolvem violência tiveram maior incidência em Joinville se comparado à Capital.

Desconsiderando o último trimestre do ano, cujos dados ainda não foram lançados pela SSP, Joinville apresentou maior índice de homicídios, mortes no trânsito, roubos de veículos e roubos a comércios. Florianópolis superou apenas o índice de roubos a residências.

Ao comparar as estruturas, o delegado regional, Dirceu Silveira Júnior, confirma que a diferença é gritante.

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– Somos maiores que a comarca de Florianópolis e temos apenas uma DIC (Divisão de Investigação Criminal) para atender a Joinville, Araquari, Garuva, Itapoá e toda a região. Não tenho dúvidas de que temos estrutura inferior, não só com relação a Florianópolis, mas em relação ao Estado – completou.

O que diz o Governo do Estado

O secretário da Secretaria de Segurança Pública, César Augusto Grubba, confirma que este é um problema em todo o Estado, pois a Polícia Civil está trabalhando com 53% do quadro de policiais. Os 47% restantes não estão na ativa por motivos de aposentadoria, licença ou porque saíram da corporação.

– Faltam policiais em Joinville e em todo o Estado. Mas nós não temos mais policiais para mandar para Joinville – explicou.

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O secretário destacou, ainda, que o novo concurso para a contratação de mais 66 delegados e 304 agentes de polícia está em fase de publicação de edital. A SSP ainda não divulgou como serão remanejados os novos servidores nas comarcas do Estado.

Clique na imagem para ampliar e confira os dados: