*Por Motoko Rich
Asahikawa, Japão – Retirar o olho da batata é uma tarefa enfadonha, repetitiva e demorada – algo aparentemente perfeito para os robôs de um país com cada vez menos gente e com uma mão de obra cada vez mais disputada. Mas não é tão simples assim.
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Quando uma empresa de processamento de alimentos que produz batata cozida e salada de batata em Hokkaido, no Japão, tentou empregar um protótipo de robô criado para remover o olho da batata, a máquina não estava à altura do serviço.
Os sensores do robô não eram sensíveis o suficiente para identificar todos os olhos. Enquanto as mãos humanas são capazes de virar a batata em todas as direções, o robô consegue virá-la em apenas um eixo, deixando assim de remover os defeitos que são tóxicos para os seres humanos. Além disso, o robô também arrancava partes perfeitamente comestíveis.
"Basicamente, a máquina não conseguia fazer o trabalho dos seres humanos", afirmou Akihito Shibayama, gerente da Yamazaki Group, que opera em Asahikawa, uma cidade de médio porte na região central de Hokkaido.
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O Japão, a terceira maior economia do mundo, espera que os robôs e outros tipos de automação ajudem a resolver seu problema demográfico e de falta de mão de obra. Essa prioridade pode ser vista em um plano do governo conhecido como Sociedade 5.0, alardeado pelo primeiro-ministro Shinzo Abe.

Mas as empresas enfrentam dificuldades, pois até mesmo vagas que parecem perfeitas para robôs se mostram extremamente difíceis para as máquinas.
Os robôs "conseguem realizar tarefas simples, mas nada que exija a capacidade de tomar decisões e de avaliar uma situação que se altera", explicou Toshiya Okuma, diretor associado de estratégia global da divisão de negócios robóticos da Kawasaki Heavy Industries, uma das principais responsáveis pelo desenvolvimento de robôs no Japão e que ajudou a automatizar diversas linhas de montagem de automóveis.
O desenvolvimento de robôs permitiu que o Japão deixasse de tomar decisões difíceis sobre imigração, um assunto delicado em um país que não gosta muito de estrangeiros. Entretanto, essa também é uma boa escolha do ponto de vista cultural.
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O Japão foi um dos primeiros países a adotar robôs no dia a dia, instalando-os em montadoras de carros desde os anos 1970. Além disso, alguns dos personagens prediletos do Japão são robôs.
O Doraemon, um gato robô azul muito fofo, é a estrela de uma série de gibis e de um dos programas de TV mais antigos do país. Astro Boy – ou Tetsuwan Atomu, em japonês – é um super-herói nos quadrinhos, na TV e em filmes, além de ser um equivalente robótico do Pinóquio, que luta pela paz entre robôs e seres humanos.
Ainda assim, por mais que as empresas japonesas tenham recebido os robôs de braços abertos, elas também aprenderam que qualquer robô capaz de desempenhar tarefas mais sofisticadas custa muito mais caro que a mão de obra humana.
Por isso, na fábrica em Asahikawa, onde cerca de 60 por cento do trabalho é automatizado, muitas tarefas ainda exigem o toque humano. Trabalhadores descascam abóboras, por exemplo, porque um pouco de casca ajuda a dar sabor aos cozidos. Os robôs não conseguem decidir quanto da casca devem tirar.
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Outras tentativas de utilizar robôs tiveram sucesso limitado em atividades que variam de ônibus autônomos a drones que entregam encomendas, passando por robôs que fazem companhia a idosos em casas de repouso.
Um hotel operado por robôs no sul do Japão teve de dispensar alguns dos autômatos depois que os clientes se queixaram de que eles não eram tão hospitaleiros quanto os seres humanos.
Quando ônibus autônomos foram testados na cidade de Oita, no sul do Japão, um dos veículos colidiu com o meio-fio e as autoridades concluíram que os veículos autônomos ainda não estão prontos para lidar com situações como engarrafamentos, pessoas que atravessam fora da faixa e carros que furam o sinal vermelho.
Há décadas, o Japão é líder no uso de robôs: o país é o maior fabricante de robôs industriais do mundo e costumava ser o lugar com o maior número de robôs por trabalhador, afirmou Gee Hee Hong, economista especializado no Japão no Fundo Monetário Internacional.
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Nos últimos tempos, de acordo com a Federação Internacional dos Robôs, Cingapura, Coreia do Sul e Alemanha superaram o Japão em número de robôs por trabalhador. Ao contrário do Ocidente, onde os funcionários costumam ver os robôs como uma ameaça, no Japão os robôs geralmente são vistos como parceiros.

O que contribui para aumentar o interesse nos robôs é o medo do declínio populacional no Japão, onde o número de nascimentos é o mais baixo desde 1874. Diversos setores, como o manufatureiro, de cuidados médicos, construção civil e agricultura, começam a ter dificuldades para encontrar trabalhadores.
No Japão, "em vez de dispensar a mão de obra, ela está sendo substituída", explicou Todd Sneider, vice-chefe de divisão do Fundo Monetário Internacional no Japão. Em Hokkaido, por exemplo, onde há 1,2 vaga para cada trabalhador, testes recentes com caminhões autônomos não foram vistos como uma forma de eliminar vagas de emprego, já que não existem trabalhadores em número suficiente para desempenhar essa tarefa, de acordo com autoridades municipais.
A Hokuren, uma empresa alimentícia que produz açúcar de beterraba na região nordeste de Hokkaido, precisa de cerca de 250 motoristas durante o pico de produção, durante o outono japonês, para transportar as beterrabas das fazendas até os depósitos e as usinas de processamento.
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Devido à grave falta de mão de obra, a Horuken testou veículos autônomos fabricados pela UD Trucks, uma subsidiária da Volvo com sede no Japão. Entretanto, representantes da empresa afirmaram que ainda precisam realizar mais testes para garantir que os veículos sejam capazes de lidar com problemas como estradas cobertas de neve ou gelo, além de mudanças nos semáforos.
Genyou Imai, de 48 anos, dono de uma empresa de transporte que terceiriza os motoristas da Hokuren, reconheceu que não consegue encontrar trabalhadores em número suficiente para as necessidades da empresa e que os veículos autônomos podem liberar sua empresa para realizar outros tipos de serviço.
Ainda que o Parlamento japonês tenha aprovado uma lei que garante novos vistos para trabalhadores estrangeiros, com o objetivo de aumentar a oferta de mão de obra, o governo afirmou em diversas ocasiões que os robôs provavelmente serão os salvadores da pátria.
"Eles criam novos robôs para resolver os casos em que talvez dependessem de imigrantes para realizar o trabalho", explicou Selma Sabanovic, professora de ciência cognitiva da Universidade de Indiana e pesquisadora visitante no Instituto Nacional de Ciências Industriais e Tecnologia Avançada, em Tsukuba, no Japão.
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As empresas não acreditam que estrangeiros sejam capazes de solucionar rapidamente o problema da falta de mão de obra no Japão, em parte devido à resistência da sociedade.

"O japonês é uma espécie de raça pura. Precisamos de uns 20 ou 30 anos para resolver isso, e uns 40 ou 50 anos para integrar os imigrantes à sociedade japonesa", afirmou Noritsugu Uemura, executivo responsável por relações governamentais e externas na Mitsubishi Electric, uma importante fabricante de produtos eletrônicos. "Não podemos esperar tanto tempo", acrescentou.
Os robôs ajudaram a empresa de laticínios Kalm, nos arredores de Sapporo, a capital de Hokkaido, a passar de quinze para cinco funcionários. Agora, oito robôs tiram o leite de mais de 400 vacas três vezes por dia, ao som de gravações de jazz em caixas de som espalhadas pelo local.
As vacas usam sensores na coleira que indicam aos robôs quando devem ordenhar. Portões automatizados levam os animais para os lugares onde os robôs colocam sugadores nas tetas das vacas e computadores registram o volume de leite que entra nos tanques.
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Jin Kawaguchiya, ex-banqueiro e executivo-chefe da Kalm, que assumiu o comando da empresa da família de sua esposa, afirmou que, para sobreviver, ela precisava se unir a diversas outras empresas de laticínios da região que também tinham dificuldades para encontrar funcionários.
"O melhor que pudemos fazer foi eliminar os seres humanos do processo", concluiu Kawaguchiya.
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