Todas as crianças entre quatro e cinco anos devem estar, obrigatoriamente, na escola. Os municípios, responsáveis por essa universalização da pré-escola, tinham que alcançar essa meta do Plano Nacional de Educação até 2016. Mas um levantamento do Tribunal de Contas de Santa Catarina (TCE) mostra que o Estado ainda está bem distante desse objetivo: apenas 13,56% das cidades do Estado têm todas as crianças nesta faixa etária em sala de aula. Isso significa que só 40 cidades alcançaram a universalização na pré-escola. De um total de 186 mil catarinenses nesta faixa etária, 36,8 mil estavam fora da escola em 2016.
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O conselheiro substituto do TCE/SC Gerson dos Santos Sicca explica que os tribunais de conta do país têm uma diretriz para acompanhar as metas do Plano Nacional de Educação, mas uma das dificuldades era encontrar dados atualizados. Por isso, o próprio TCE/SC calculou a estimativa populacional dessa faixa etária e analisou o número de matrículas. Os dados são referentes a 2016.
– A educação infantil tem uma demanda muito grande. Esse levantamento mais atualizado permite ao município compreender sua realidade e saber quantas vagas efetivamente tem que criar. Nós entendemos que para que os planos de educação funcionem eles têm que ser colocados dentro dos orçamentos para que virem de fato uma política pública a ser implementada pelos Estados e municípios.
Um dos caminhos para reverter esse cenário é os municípios fazerem uma busca ativa desses alunos, ou seja, identificar onde estão e trazê-los para a escola, defende Sicca. Para ele, a educação infantil é um problema estrutural em Santa Catarina e depende de investimento e apoio do governo federal. Mas os gestores municipais também devem fazer a parte deles:
– Os planos de educação são política de Estado, não de governo. Independentemente do gestor que está lá, os planos têm que ser prioridade. Não basta o município ou o Estado aplicar 25% dos impostos, que é o mínimo que a constituição exige. Eles têm que trabalhar educação com efetiva prioridade, direcionar recursos para essa área.
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O conselheiro substituto reforça que, diante da crise econômica, é ainda mais importante os gestores levarem em conta o que é estabelecido nos planos de educação e identificar quais as áreas mais problemáticas para focar recursos.
Além de ser um direito, ter acesso à educação e de qualidade é fundamental para o desenvolvimento da criança, afirma o professor do Programa de Pós-Graduação em Educação da Udesc Lourival José Martins Filho:
– A importância de crianças estarem na escola desde os quatro anos está vinculada ao direito de viver plenamente a infância, em espaços educativos adequados e professores qualificados. A sociedade precisa ampliar o olhar para infância. Precisamos reconhecer o protagonismo das crianças e conseqüentemente valorizar a prática pedagógica exercida no interior dos contextos educativos de creche e/ou pré-escolar.
Falta de vagas é questão histórica
Uma alteração na Lei de Diretrizes e Bases da Educação, que passou a valer em 2016, também obriga que todas as crianças a partir dos quatro anos estejam matriculadas, e não mais seis anos como era antigamente. Mas nem sempre os municípios têm a estrutura necessária para atender a essa demanda. O promotor João Luiz de Carvalho Botega, coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância e Juventude do Ministério Público de SC, diz que a falta de vagas na educação infantil é uma realidade em todo Estado e é histórica. Diante disso, o MPSC recebe demandas constantes de famílias que não conseguem matricular os filhos:
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– É um déficit histórico. Falta investimento, dar prioridade para essa área – afirma.
Botega afirma que a orientação é que promotores tentem resolver o problema na esfera conjunta, ou seja, ao invés de solucionar a questão de apenas uma criança, que seria uma medida paliativa, tratem medidas para que municípios zerem a fila de espera. Em alguns casos, a medida é o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) ou até uma ação civil pública, quando geralmente são previstas punições aos municípios em caso de descumprimento, como pagamento de multas ou sequestro de valores dos cofres públicos.
Este levantamento do TCE tem inicialmente um caráter orientativo aos municípios, explica Sicca. A partir disso, devem ampliar a análise para outras metas do Plano Nacional de Educação.
Municípios alegam dificuldades para atingir meta
O estudo do TCE/SC aponta que a estimativa é que Alfredo Wagner, na Grande Florianópolis, tenha 327 crianças entre quatro e cinco anos. Apesar do universo pequeno, o município enfrenta dificuldade para atendê-los. Segundo o TCE, em 2016 eram 130 nesta faixa etária na escola, o que correspondia a um atendimento de 39,8% do total, número bem distante dos 100%, meta de universalização. Segundo a secretária de educação da cidade, Valneide da Cunha Campos, atualmente são 210 alunos matriculadas, sendo que na cidade seriam 240 crianças de quatro e cinco anos. Ela admite que são diversos desafios para garantir o acesso à escola, principalmente em relação ao transporte das crianças:
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– 70% da população está na zona rural então nossa grande dificuldade é o transporte escolar. O problema é como trazê-los à escola.
Ela afirma que são 41 veículos para transporte dos alunos e que, juntos, rodam 6 mil quilômetros por dia. A logística custa R$ 1,8 milhões aos cofres públicos por ano, o que representa quase metade do que a prefeitura gasta com educação (R$ 3,7 milhões).
Roque Mattei, presidente estadual da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), afirma que municípios rurais muitas vezes enfrentam dificuldades para atender a todos, pois muitas crianças vivem em regiões distantes dos centros educacionais. Mas acrescenta que os municípios maiores também enfrentam problemas, porque a “quantidade de crianças ainda é maior que a capacidade da rede”. Para ele, o principal desafio para conseguir que todas as crianças estejam em sala de aula está na falta de recursos – municípios dependem de repasses do governo federal e de recursos próprios para bancar a educação infantil:
– O custo de uma criança na pré-escola é muito alto, diante do número menor de crianças em sala os cuidados que tem que ter. Não basta ter a infraestrutura necessária. Hoje a gente precisa ter todo um investimento de merenda, uma série de cuidados, os municípios estão trabalhando para ter essa estrutura.
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Mas outro fator que impacta, segundo Mattei, é que como a obrigatoriedade da universalização da pré-escola começou a valer em 2016, as famílias também não se adaptaram e ainda não matriculam as crianças nesta idade:
– Nós estamos trabalhando fortemente na busca ativa em encontrar onde estão essas crianças e trazer para escola. Mas tem a cultura da comunidade, porque até 2015 não era obrigatório e muitas famílias ficavam com as crianças em casa até os seis anos, então tem toda uma questão cultural, territorial e regional.
O que diz a lei
O Plano Nacional de Educação (PNE) é uma lei ordinária com vigência de dez anos a partir de 26 de junho de 2014, prevista no artigo 214 da Constituição Federal. Ele estabelece diretrizes, metas e estratégias de concretização no campo da Educação. São 20 metas, a primeira delas é:
Universalizar, até 2016, a Educação Infantil na pré-escola para as crianças de 4 a 5 anos de idade e ampliar a oferta de Educação Infantil em creches de forma a atender, no mínimo, 50% das crianças de até 3 anos até 2024.
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Além disso, a lei nº 12.796, de 2013, altera a Lei de Diretrizes e Bases da Educação e torna obrigatória e não mais opcional a matrícula já nos quatro anos de idade, ao invés dos seis. Os municípios tinham até 2016 para se adequarem. A lei diz que a educação básica é obrigatória e gratuita dos quatro aos 17 anos. E é dever dos pais ou responsáveis efetuar a matrícula das crianças na educação básica nesta idade
O Código Penal e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) consideram crime deixar uma criança fora da escola, ferindo, portanto, seu direito à educação. O delito pelo qual pais podem responder caso não tomem as iniciativas de matricular seus filhos na escola e garantir sua frequência é o de abandono intelectual (art. 246 do Código Penal, que estabelece pena de detenção de 15 dias a um mês ou multa). Os municípios que não disponibilizam as vagas também podem ser punidos. A família deve procurar a secretaria de educação da cidade. Caso não resolva, pode acionar o Ministério Público.
Como foi feito o cálculo do TCE
Os dados das matrículas são do Inep, já as informações populacionais foram estimados e atualizados a partir de estudo técnico realizado por auditores fiscais do TCE.
As demandas educacionais de alguns municípios podem ser atendidas por cidades vizinhas, o que pode impactar nos resultados da pesquisa. Além disso, a atualização da população nesta faixa etária é uma estimativa, ou seja, essa faixa etária pode ter crescido mais ou menos, o que também influencia nos resultados.
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Neste levantamento não foi avaliada a demanda por escolas dos municípios, ou seja, como estão as filas de espera, por exemplo. Isso significa que um município que atingiu a meta pode ser que não consiga atender a toda sua demanda, afinal podem ter mais crianças nesta faixa etária que o previsto.O estudo apenas mostra, com base em projeção populacional, quantas crianças estariam fora da escola.
Vale do Itajaí tem o índice mais baixo de atendimento
(Augusto Ittner / augusto.ittner@somosnsc.com.br)
Com apenas 3,5% dos municípios que cumpriram a meta de universalizar a escolarização de crianças entre 4 e 5 anos, o Vale do Itajaí tem o pior índice entre todas as regiões de Santa Catarina. Principal cidade desse conglomerado, Blumenau também não atingiu o previsto e tem, conforme o relatório do Tribunal de Contas do Estado (TCE-SC), cerca de 1,6 mil meninos e meninas nessa faixa etária fora dos colégios – 19% da estimativa dessa população.
Pesquisadora do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Educação na Pequena Infância (Nupein) da UFSC e professora do Instituto Federal Catarinense (IFC) em Blumenau, Roseli Nazário avalia que a parcialização do atendimento para tentar suprir a demanda de alunos é o que impacta nos baixos números do Vale. O fato de as cidades da região ainda terem a indústria como um dos pilares econômicos, dificulta com que as famílias organizem o dia a dia sem que haja o período integral.
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– Meio período para uma cidade de trabalhadores, seja na indústria ou no comércio, não atende. Parcialização significa quatro horas de atendimento, seja das 7h30min às 11h30min ou à tarde. Quem tem condições de acompanhar esse horário para buscar e levar uma criança na educação infantil? – avalia Roseli.
Ela aponta a falta de estudos e dados referentes ao assunto como um ponto delicado quando se fala em ensino para pequenos de 4 e 5 anos.
– Como é que se pensa políticas de educação infantil quando não se tem informações a respeito? – questiona.
Desde o ano passado é obrigatória a matrícula de crianças de 4 e 5 anos na Pré-Escola, mas muitas pessoas não entendem isso, opina Vânia Tanira Biavatti. Especialista em Educação e professora da Universidade Regional de Blumenau (Furb). Para ela, o desconhecimento dos pais quanto à legislação em vigor é um dos fatores que compromete os números no Vale do Itajaí.
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– Os pais não sabem da lei, não exigem direitos e quando entendem, ao que me parece, é de maneira equivocada – pondera.
A Secretaria de Educação de Blumenau emitiu nota oficial e disse que atende na totalidade a demandas por vagas na Educação Infantil para crianças de 4 e 5 anos, e que as intenções de matrícula para essas idades são prontamente supridas. Conforme dados de 26 de outubro coletados no Sistema Fila Única das creches, 11 crianças dessas idades aguardavam por vagas. O município afirma que famílias que se negam a colocar os filhos na escola, por qualquer motivo, são encaminhadas ao Conselho Tutelar e que em caso de pequenos com faltas consecutivas, denúncias são registradas no Programa de Combate à Evasão Escola (Apoia). No texto, a secretaria Patrícia Lueders diz que os dados do TCE são diferentes do contexto atual de Blumenau, por utilizar “uma estimativa do IBGE de 2014, com base no Censo de 2010 e dados de matrículas feitas em 2016” e que “desde que a lei […] entrou em vigor, o município atua na conscientização das famílias para o cumprimento da obrigatoriedade”.