“Preciso de você”.
Eis a frase mais repetida, em vão, por Dilma Rousseff nas últimas 72 horas antes da votação deste domingo. Pelo telefone ou pessoalmente, cada deputado que conversou com a presidente ouviu o mesmo apelo. Avessa aos cortejos da liturgia política, criticada pela relação fria com o Congresso, ela assumiu a dianteira das articulações para barrar o processo de impeachment. Os esforços se mostraram tardios e Dilma sofreu uma derrota contundente. A presidente somente será afastada preventivamente do cargo se o Senado aprovar a admissibilidade do processo, mas o recado da Câmara indica que o governo do PT está isolado e sem forças para suportar o processo.
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Agitada, Dilma manteve o estilo gerentona ao longo da semana. Distribuiu tarefas, monitorou mapas, falou com parlamentares que tentavam virar votos ou garantir abstenções e ausências no plenário. Até o vazamento do áudio com o discurso de Michel Temer, preferia que seus ministros, em especial Ricardo Berzoini (Secretaria de Governo) e Jaques Wagner (Gabinete Pessoal da Presidência), e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva conduzissem as negociações. Depois de ouvir a gravação, partiu ao ataque ao vice:
– Caiu a máscara.
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Pessimistas até a sexta-feira, conselheiros de Dilma reagiram a partir do reforço de seis governadores aliados do Norte e do Nordeste, que desembarcaram em Brasília. Com a incerteza das projeções, o Planalto centrou fogo nos indecisos das duas regiões, esteios eleitorais do PT.
– Os mapas vão nos enlouquecer. Esqueçam o Sul – comentou um auxiliar da presidente.
No sábado, véspera da votação, a presidente cancelou a visita ao acampamento de movimentos sociais em Brasília. Foi substituída por Lula. O ex-presidente avaliou que poderia ter melhor receptividade entre partidos que se distanciavam, como o PSB. Uma semana antes, Lula chamou ao quarto do hotel Royal Tulip, seu bunker às margens do Lago Paranoá, o líder do PSB na Câmara, Fernando Coelho Filho (PE). Relembrou a parceria com os socialistas e saudou o pai do deputado, o senador Fernando Bezerra, ex-ministro de Dilma. Em seguida, foi direto: pediu a abstenção da sigla.
– O PSB pode capitalizar a crise do PT pela esquerda. Deveríamos ter retomado antes o diálogo com vocês – disse o ex-presidente.
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– Agora é tarde para diálogo, presidente – respondeu o deputado.
Diante da negativa, o petista afiançou que as portas do Planalto – com espaço na Esplanada – seguiriam abertas ao PSB após a vitória. E acrescentou:
– Na segunda-feira seguinte, quem vai governar sou eu.
Coelho avisou que, dos 32 deputados do PSB, quatro deveriam ajudar Dilma. Um seria o ex-governador do Maranhão José Reinaldo. Procurado pelo atual governador Flavio Dino (PC do B), o deputado ouviu que teria apoio para candidatura ao Senado em 2018. Na Câmara, Reinaldo traiu o acordo e votou pelo afastamento.
Com Waldir Maranhão (PP), até então escudeiro de Eduardo Cunha (PMDB), a oferta de respaldo para disputa ao Senado surtiu efeito. Seduzido, na sexta-feira à tarde ele abriu o voto a favor de Dilma em vídeo nas redes sociais e garantiu levar mais 11 colegas de bancada consigo.
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A executiva do PP estava reunida para fechar questão em torno do impeachment, com previsão de punições para quem desrespeitasse. No meio da discussão, chegou via WhatsApp o vídeo de Maranhão, que não estava no encontro. As reações foram de ira.
Logo, Ciro Nogueira, presidente do partido, destituiu o infiel do comando da sigla no seu Estado. Ex-ministro de Dilma, o atual líder da bancada, Aguinaldo Ribeiro, que não se sentia confortável para apoiar o impeachment, acabou cedendo, já que foi alçado ao posto com votos do PP de oposição.
– Não posso ser líder de meia bancada – disse a petistas que o procuraram.
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Estratégia derradeira focou na distribuição de cargos
Os deputados do PT passaram quatro dias em uma maratona de reuniões. Receberam listas de colegas para buscar votos. Maria do Rosário respondeu pelas mulheres, Marco Maia ganhou 20 nomes e Henrique Fontana, três.
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Apesar do esforço verbal, a estratégia mais efetiva do governo tratou de cargos, conforme orientação de Lula. Na noite de sexta-feira, saiu edição extra do Diário Oficial da União com seis páginas de exonerações e nomeações em 18 ministérios. No Rio Grande do Sul, a superintendência do Ministério da Agricultura passou do PTB, pró-impeachment, ao PDT. Novo titular, Flavio Zacher recebeu o diário às 23h30min. O Planalto cumpria a promessa feita a ele na quarta-feira. A fidelidade do PDT, que pretende expulsar quem votou contra Dilma, passou por Carlos Lupi e os irmãos Ciro e Cid Gomes.
– A ameaça de expulsão funciona. Quem depende do partido para se eleger não desobedece – afirmou Cid, enquanto fumava um cigarro no intervalo de uma reunião de pedetistas.
Dilma também contou com o auxílio de seus ministros do PMDB. No sábado, esteve com Kátia Abreu, da Agricultura, e conversou com Celso Pansera, que se licenciou da Ciência e Tecnologia para reassumir na Câmara.
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– No PMDB, temos 12 votos fechados com a gente. Se acharem que temos chance de ganhar, o número aumenta – disse Pansera a deputados.
Na manhã derradeira, a presidente que pode ser deposta por pedaladas fiscais saiu para seu tradicional passeio de bicicleta. Voltou a falar com deputados e a dividir opiniões com Lula, que já dá seu amém à convocação de novas eleições e orienta petistas a repetirem a tese. À tarde, Dilma acompanhou a votação escoltada pelos ministros Jaques Wagner, Ricardo Berzoini, José Eduardo Cardozo (AGU), Kátia Abreu, Antonio Carlos Rodrigues (Transportes) e por governadores. Presente, Lula não desistia. A votação já andava, e ele seguia ao telefone tentando virar votos. Ao final, Dilma garantiu disposição para resistir até o julgamento do Senado, como confidenciou a um aliado.
– Conto com vocês até o final.