O "menino veste azul, e menina veste rosa" da infância de Ediwaldo Pedro de Oliveira envolvia as redes de pesca e a renda de bilro, tradicionais atividades dos manezinhos de Pântano do Sul, praia de Florianópolis onde ele cresceu, nos anos 1960: enquanto os meninos tinham como obrigação confeccionar e lidar com as redes, as meninas assumiam o manejo dos bilros – outra divisão de atividades era impensável. "Imagina, se falasse para a minha família que eu gostava da renda, eu apanharia", afirma Ediwaldo, mais conhecido como Dinho.

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Mas o fato é que ele gostava – e não se interessava nem um pouco pelas redes de pesca, já que associava o objeto com "matar peixes", coisa que o desagradava. Às escondidas, Dinho começou a aprender a arte da renda, auxiliado por uma prima – que o chamava de "maricas" por causa disso, mas no fundo era sua cúmplice.

Hoje, aos 63 anos, Dinho tem no bilro sua paixão e seu sustento: trabalha entre as rendeiras do Mercado Público, no Centro de Florianópolis, vendendo sua arte e dando cursos. "Acho que ser homem na renda é meu diferencial, chama atenção", diz ele. "Os turistas gostam, acham curioso: tem renda minha no Japão, na Itália, na Espanha. Mas claro que tem gente que ainda estranha. Eu brinco que, como sou homem, tenho que caprichar ainda mais na renda, porque as pessoas ficam desconfiadas", Dinho ri.

O rendeiro lamenta que poucos jovens, hoje, se interessem por aprender e perpetuar a prática da renda de bilro. Ele tem um projeto que quer botar em prática com o Instituto Estadual de Educação, de Florianópolis, para apresentar a tradição aos estudantes: "Se um deles se interessar, já é uma criança que vai poder aprender", declara. "É um jeito de não deixar nossa arte morrer."

Afastamento e reencontro

Dinho passou alguns anos afastado da atividade que hoje é seu ganha-pão: aos 18 anos, foi embora de Pântano do Sul, porque, nas suas palavras, "era a vergonha de lá". Morou nos Estados Unidos e até no Canadá. Quando retornou, já adulto, ouviu de um médico a recomendação de se dedicar a algum trabalho manual, como terapia. É claro que a renda de bilro veio imediatamente à sua cabeça. Dinho reaprendeu, se aprimorou, e nunca mais se afastou da atividade.

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Estrelato

O manezinho é a estrela e o protagonista do documentário catarinense As Rendas de Dinho, que vai representar o estado na 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes. O festival acontece na histórica cidade mineira e vai até 1º de fevereiro, com 80 curtas-metragens de 14 estados brasileiros. As Rendas de Dinho foi gravado em maio de 2019, com direção e roteiro de Adriane Canan e direção de fotografia de Débora Klempous, e já foi exibido em universidades catarinenses e para a comunidade onde o protagonista vive. O filme também será exibido gratuitamente no Boulevard 14/32, no Floripa Airport, a partir das 20h deste sábado (25). No dia seguinte, Dinho viaja a Tiradentes, para participar da Mostra de Cinema.

Da vergonha ao orgulho

Com o passar dos anos, Dinho virou figura de destaque em sua comunidade: foi precursor na organização do Carnaval e dos desfiles de fantasia no Pântano do Sul, e fez a festa crescer em sua praia de origem. Com a popularidade, já foi até Papai-Noel para as crianças da região. "Fico feliz", ele diz. "Da vergonha do pessoal do Pântano, eu virei o orgulho."