Sentado em uma cadeira enquanto observa a esposa — quase sob vigília —, em um dos abrigos de Itajaí está Emílio Galinza, de 105 anos. Ele e outras 200 pessoas estão ali, no Salão Paroquial da Igreja do São Cristovão, no bairro Cordeiros, porque a água invadiu as casas. Em Itajaí, são pelo menos 390 desabrigados.
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Já mais do que centenário e morando sozinho com a esposa — que está se recuperando de uma cirurgia —, Emílio precisou ser retirado de casa por vizinhos, que notaram a água subindo rapidamente na chamada “Vila da Miséria”, uma localidade na Murta às margens do ribeirão.
— Só deu tempo de subir umas coisinhas, as camas, umas comprinhas que eu tinha. Um vizinho foi lá e tirou a gente e trouxe para cá [o abrigo] — conta. Dos pertences, deu para salvar algumas roupas, documentos e remédios. O resto ficou e foi tomado pela água — cerca de 1,5 metro. Ele chegou ao abrigo no sábado (7).
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Emílio nasceu na Alemanha, em 1918, e veio para o Brasil aos 2 anos, com o pai, a mãe e os tios. Hoje, sobrevive com um auxílio do governo. Ele nunca trabalhou de carteira assinada. Foi carpinteiro por anos, rodou cidades atrás de emprego.
Hoje, mora numa casinha de madeira, apertada, mais baixa que o nível da rua e nos fundos da casa do locador. É suficiente apenas para os itens básicos e dois beliches — ele dorme em uma e a esposa na outra, sempre no topo, para que se a água subir pelo menos não molhe os colchões.
— O importante é que eu e a minha velhinha estamos bem — diz, com lágrimas nos olhos azuis.
Bem-humorado, Emílio então ajusta a boina de tricô, bebe um gole do café servido em copos descartáveis. Quando uma das voluntárias oferece uma paçoca, diz que “o coração já é muito doce” — mas acaba pegando mais dois.
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— O que é material, a gente recupera depois. A gente tem amigos, pessoas boas que ajudam a gente, para recuperar as coisinhas. Tenho fé em Deus.
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Emílio morou por boa parte da vida em Trombudo Central, no Alto Vale do Itajaí, onde teve três filhos. Um morreu vítima da Covid-19, há dois anos.
Não lembra o ano que se mudou para Itajaí — a memória já não é mais a mesma, aos 105 anos. Mas lembra de duas grandes enchentes, a de 2008 e 2011. Na época, morava no Bambuzal, no bairro São Vicente. Das duas vezes, viu a água invadir a casa e o mesmo cenário que vê agora: em um abrigo, tendo que recuperar tudo aos poucos.
— Apesar de tudo isso, eu sou feliz. Tenho muita paz, e a minha paz vem de Deus.
Agora, não vê a hora de poder voltar para casa, assim que a água baixar. Quer lavar o assoalho, ver o que se salvou e o que vai ter que se desfazer. Recomeçar, mais uma vez. Em janeiro, quer ir para Agrolândia, onde mora parte da família da esposa.
— Aqui eu não tenho ninguém, mas lá, sim.
O sorriso de Emílio
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Abrigos em Itajaí
De acordo com o sistema da prefeitura de Itajaí, na tarde desta segunda-feira (9), 390 pessoas estavam em abrigos do município. Três dos quatro locais ativos estão lotados, e outros três estão em sobreaviso. O único com vagas ainda é no Centro Municipal de Educação Alternativa de Itajaí (Cemespi), que também tem acessibilidade para pessoas com deficiência.
Apesar do alívio do tempo mais firme, Itajaí segue em alerta para inundações graduais, devido à elevação dos rios. Com a subida da maré, a partir das 12h, alagamentos ainda podem ocorrer. Em Brusque e Blumenau, o nível dos rios diminui, e a tendência é que a água chegue em Itajaí ao longo do dia.
Com isso, há risco de extravasamento em três pontos, com situação de emergência: rio Itajaí-Açu na estação da Murta, rio Itajaí-Mirim retificado na estação da Colônia Japonesa, e rio Itajaí-Mirim, no canal antigo na estação do Itamirim.
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