A emblemática prisão do deputado federal afastado Paulo Maluf (PP-SP) trouxe à tona situação pouco usual no Supremo Tribunal Federal (STF), mas não vedada expressamente pelas regras da Corte. Ao alterar o caráter de prisão imposta pelo ministro Edson Fachin, Dias Toffoli modificou monocraticamente a decisão do colega. Nesta quinta-feira (19), o plenário da Corte analisou o caso do parlamentar, mas não chegou a debater a validade do ato, que poderia beneficiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e outros condenados na Operação Lava-Jato.

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O assunto é acompanhado de perto pela defesa do petista. Ele teve recurso negado por Fachin quando seus advogados questionaram a celeridade da ordem de prisão determinada pelo juiz Sergio Moro. Se o STF abrisse caminho para uma revisão, o caso poderia ser analisado por outro ministro.

O assunto, de forma genérica, chegou a ser levantado por Toffoli, mas a presidente Cármem Lúcia entendeu que a questão ficou prejudicada, já que Fachin, na prática, concordou com a medida que reformou seu posicionamento.

Aos 86 anos, Maluf foi beneficiado por Toffoli com o direito de cumprir prisão domiciliar devido à deterioração de seu quadro de saúde. O ministro explicou, durante sessão do plenário nesta quinta-feira (19), que não cassou a determinação anterior, apenas concedeu uma “sanção humanitária” ao condenado. Revelou, ainda, ter contatado Fachin e Cármen Lúcia antes de tomar a decisão, na semana anterior à Páscoa, quando o Tribunal estava em recesso.

A alteração de voto de ministro via habeas corpus concedido por outro magistrado não é inédita no STF. No entanto, o doutor em Direito Constitucional e professor da PUC-SP André Ramos Tavares defende que o ato seja evitado para não gerar “situações constrangedoras”. Para ele, esse tipo de debate ocorre por dúvidas dos próprios ministros sobre questões internas de funcionamento da Corte.

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— O sistema se tornou imprevisível pela falta de um marco normativo — opina.

Uma eventual decisão do Supremo que ratifique a possibilidade de um ministro modificar decisão de um colega poderia gerar uma avalanche de habeas corpus. A situação é vista com reservas, já que haveria o risco de criação de uma espécie de “loteria” na Corte. Advogados apresentariam vários pedidos de liminar até o processo cair, após sorteio, sob a relatoria de um ministro que aceite seus argumentos de defesa.

Uma posição firme dos julgadores, barrando recursos identificados como meramente protelatórios, evitaria esse eventual cenário.

— O hábeas é um remédio constitucional. Não tem limites. Quem faz o filtro são os próprios tribunais — destaca o ministro aposentado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Gilson Dipp.

Para Dipp, embora haja “excesso de protagonismo individual dos ministros”, a tendência é de que os pedidos de hábeas contra decisões monocráticas anteriores, desde que sem excepcionalidades, sejam apreciados diretamente pelo plenário.

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