Pesquisa desenvolvida pela antropóloga Rose Mary Gerber, Mulheres e o Mar: uma etnografia sobre pescadoras embarcadas na pesca artesanal no Litoral de Santa Catarina, foi desenvolvida durante 13 meses em oito cidades. Nesse período, Rose vivenciou o cotidiano de 22 pescadoras, foi para o mar, ajudou a puxar rede, a limpar e embalar os peixes, e constatou uma rotina de trabalho pesado, variado, invisível. Mas ao mesmo tempo apaixonante, como relata Rose em sua tese.

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A pesquisa foi orientada pela professora Sônia Weidner Maluf e teve apoio do Instituto Brasil Plural (IBP), da Capes e da Epagri, onde Rose trabalha como analista técnica. A tese está em fase de revisão e em breve deverá tornar-se um livro. Ela também realizou um documentário em vídeo, reunindo entrevistas e depoimentos.

Você relaciona três tipos de atividades das mulheres na pesca. Como é a diferença entre eles?

Não quis estabelecer uma classificação rígida, mas na pesquisa observei três formas da mulher de ser pescadora. Uma delas é das que ficam em terra e trabalham no descasque, na evisceração, na filetagem de peixe, desconchamento de marisco, limpeza, beneficiamento e venda do pescado. Outra forma é a das que atuam na coleta de berbigão, à beira do mar. A terceira forma é a das embarcadas. Neste caso considerei aquelas que saem todos os dias, na pesca de peixe e arrasto de camarão, em jornadas de quatro a 16 horas por dia no mar. Dentro das embarcadas também incluo as que denominei de stand-by. Ou seja, não saem todos os dias, mas estão sempre prontas, e são acionadas pelo marido de um dia para o outro para embarcar. Ao chegar em terra, marido e esposa dividem-se na tarefa de puxar o barco e realizar as atividades, como limpeza e preparação do peixe para a venda. Como eles lidam com um produto fresco, todo o trabalho é ágil, tudo precisa ser resolvido imediatamente. Além da rotina na pesca, o trabalho da casa é todo delas, que ficam até tarde da noite para lavar roupa, arrumar casa, cozinhar.

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E como elas fazem quando têm filhos pequenos para cuidar?

O casal entra em consenso e elas ficam em terra durante a fase de crescimento da criança. Elas se concentram no trabalho em terra, enquanto o marido arruma um camarada para trabalhar no barco. Outro caso em que houve esse consenso foi quando uma delas teve um problema pulmonar, que seria agravado pela friagem do mar.

Em que o difere do trabalho realizado pelos homens?

Não há diferença entre o trabalho da mulher e do homem pescador. Eles contam que, na pesca embarcada, tem a parte do chumbo e da cortiça, que fazem parte da rede. O chumbo é a parte mais pesada e a cortiça é a mais leve. O trabalho é dividido por igual, quem estiver mais próximo do chumbo é quem irá puxar, seja homem ou mulher.

O que é ter corpo para pesca?

É não ter enjoo no mar ou, se enjoar, conseguir controlar. Segundo elas, tem que ter força e jeito, tem que ter paixão pela pesca. Eu perguntei como é a relação com o mar e elas descreveram que é uma relação de amor, paixão e vício. Uma das pescadoras que conheci, a dona Paulina, com 70 anos, falou “eu preciso ir para o mar todos os dias, é meu vício”. Ela começou a pescar com oito anos.

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Como elas aprendem o ofício?

A maioria delas aprendeu a pescar com o pai, aos oito, 10 ou 12 anos de idade. Algumas começaram depois de se casar. Nesses casos, ou o marido, pescador convenceu a mulher a trabalhar com ele ou a própria mulher se sentiu atraída pela pesca. A forma de aprendizado mais comum é de pai para filha.

Na sua pesquisa, você passou vários meses com as famílias das pescadoras. Como era a sua rotina?

Geralmente eu ficava na casa da pescadora. Mas quando percebia que já estava há muito tempo na rotina delas, eu alugava uma quitinete ou um quarto em hotelzinho próximo e ficava por lá, para preservar um tempo meu e um tempo delas, para não ficar direto e invadir a privacidade, e preservar a relação.

Das três atividades da pesca, existe alguma que tenha mais status, que seja mais valorizada?

Pude observar que as pescadoras embarcadas têm mais status. Você percebe isso porque elas são admiradas, por pescadores e por pescadoras que trabalham em terra. Para as que trabalham em terra também existe mais dificuldade no processo de reconhecimento. É como se o trabalho na pesca fosse uma extensão do trabalho doméstico.

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Na sua tese você propõe uma redefinição do conceito de pescador e de pesca.

Sim, pois pescador é definido, por exemplo, nos dicionários de língua portuguesa, como um “substantivo masculino singular” e o significado de pesca é “retirar os produtos do mar, de lagoas, de rios”. Busquei, com a tese, mostrar que existem pescadoras mulheres e também que todo o processo de retirar, limpar, eviscerar, transformar e vender, tudo isso é a pesca. É a extração de produtos do mar, da lagoa, do rio, até a preparação para a comercialização.

Existe diferença de renda entre homens e mulheres pescadoras?

A maioria das pescadoras atuava com seus maridos. Nesses casos, a renda é da família, não existe separação do dinheiro dele e do dinheiro dela. O trabalho entre casal representa uma economia de renda, pois, quando a mulher trabalha como camarada do marido não há saída de dinheiro. Quando é preciso pagar um camarada, aí existe custo a mais. Uma das pescadoras que pesquisei trabalhava com o irmão e mais três camaradas. Nesse caso, a renda era dividida em duas partes, metade da embarcação e da rede, e a outra metade subdividida em partes iguais para a tripulação. Então, não existe pagamento diferente por ser mulher.

Existe uma articulação entre as mulheres pescadoras dos diferentes locais?

Não, elas não se conhecem pessoalmente. Duas eu consegui apresentar, uma de São Francisco do Sul, a Mãezinha, e outra de Barra do Sul, a Neneca. Tornaram-se amigas. Uma visita a outra. Todas puderam ver as fotos e vídeos que eu ia fazendo durante a pesquisa. Foi uma maneira de elas se conhecerem.

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