Dois anos atrás, acomodada nas cadeiras verdes do anfiteatro da Celesc, uma plateia ouvia atenta o então presidente Antonio Gavazzoni (PSD) falar sobre o futuro. Eram diretores, servidores e adolescentes do Programa Jovem Aprendiz.

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– Vocês sabem onde querem estar daqui a 20 anos? Eu sei: quero ser governador – disse Gavazzoni.

Ele jura ter tentado apenas motivar aqueles meninos e meninas que estavam concluindo o estágio na estatal. De qualquer forma, o episódio mostra a obstinação do atual titular da Secretaria de Estado da Fazenda, que ocupa um confortável gabinete no térreo do Centro Administrativo, na SC-401, em Florianópolis. Na sala em L, a decoração é modesta, com alguns livros, portfólios e balancetes ainda dos tempos da Celesc, exibidos com orgulho pelo secretário. Sobre a mesa de granito estão as pastas do que deve ser um novo feito: o Plano de Gestão de SC, previsto para ser lançado em outubro e que tem o objetivo de reestruturar a administração indireta, incluindo a extinção de algumas empresas.

Pessoas próximas deixam escapar que o secretário não gosta da ideia de ser personagem de um perfil jornalístico. Não que seja avesso a repórteres ou entrevistas. É que, entre o final de agosto e início de setembro, teve de enfrentar o fogo-amigo do PMDB e do próprio vice-governador Eduardo Pinho Moreira (PMDB), desconfortável com as últimas nomeações na Secretaria de Estado da Saúde. Gavazzoni não quer mais confrontos. É um conciliador de interesses, o que o leva a se entender com todo mundo. Quase sempre.

– Mais pão-duro do que o Gavazzoni só mesmo o Colombo. A frase que mais escuto dos dois é “não tem dinheiro” – reclama um secretário insatisfeito com os recursos que vem recebendo para investimentos.

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Considerado um supersecretário pelos governistas, Gavazzoni é hoje um dos homens fortes de Colombo, que o consulta sobre os mais diversos assuntos. Recentemente, a pedido do próprio governador, o secretário lançou o Plano de Gestão da Saúde, pacote para melhorar a performance dos hospitais públicos do Estado. Leva ainda o carimbo do secretário o gerenciamento do Fundo de Amparo aos Municípios (Fundam), que deve injetar R$ 500 milhões nas 295 prefeituras de SC.

No portfólio de Gavazzoni está também o Programa de Demissão Voluntária Incentivada lançado em setembro. Entre as missões diretas da Fazenda está o controle das contas, uma vez que o Estado tem enfrentado problemas em equilibrar a receita e os gastos: SC ultrapassou, em maio, o limite prudencial ao comprometer 47,38% da receita com os gastos com pessoal (a Lei de Responsabilidade Fiscal fala em 46,55%).

– É o supersecretário, é quem realmente manda no governo. As principais ações têm o dedo dele, não tem jeito – diz um peemedebista, ainda magoado com o que classifica de intervenção na Secretaria da Saúde.

::: Reaproximação com o governador

A relação de confiança entre o governador e o secretário teve de ser reconstruída nos últimos dois anos. O desentendimento é contado em detalhes pelos interlocutores do governo, que lembram da decepção de Gavazzoni ao ser convidado por Colombo para assumir a Secretaria da Saúde no início do governo, quando esperava ser voltar à Fazenda – que comandava com o antecessor Luiz Henrique da Silveira (PMDB).

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– Eu lembro que o Gavazzoni ficou muito chateado: trabalhou durante toda a campanha e esperava ser reconduzido à Fazenda – lembra outro secretário.

– Ele ficou furioso – diz um terceiro interlocutor, sem medir as palavras.

Essa fúria – que revela o temperamento forte característico da origem italiana – se traduziu na saída de indicados seus da Fazenda, em retaliação à nomeação de Ubiratan Rezende para a pasta. Para apaziguar os ânimos, a alternativa foi a indicação de Gavazzoni para a presidência da Celesc. A manobra foi apoiada pelo cunhado Gelson Merisio (PSD), ex-presidente da Assembleia, que tem boas relações com o governador.

Na estatal, onde passou os primeiros dois anos do governo e montou uma equipe de sua estrita confiança – nos bastidores são os conhecidos gavaboys -, Gavazzoni voltou a mostrar seu perfil de gestor. Entre outras ações, criou o Plano de Demissão Incentivada, estratégia que enxugou o quadro de cerca de 4 mil para 2,7 mil empregados.

– Hoje a Celesc tem R$ 800 milhões em caixa – fala, orgulhoso.

Ainda assim, a estatal possui uma dívida líquida que gira em torno de R$ 1,8 bilhão. No final de agosto, a Aneel deu prazo de 60 dias para que a Celesc apresente um plano e demonstre a viabilidade econômico-financeira da estatal. Caso contrário poderá não renovar a concessão.

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O trabalho à frente da Celesc serviu para reaproximar Gavazzoni, Colombo e Merisio. A questão cultural e geográfica ajudou. O serrano Colombo e os oestinos Merisio e Gavazzoni compartilham hábitos, sotaques e culturas. Gostam do mesmo tipo de comida, de conversas, de piadas, de juntar o trio para jogar cartas.

A intimidade é tanta que algumas formalidades, como bater na porta antes de entrar, são esquecidas. E nada impede que o governador fique esperando enquanto o secretário passa horas comandando até três reuniões simultaneamente.

::: Nas graças de LHS

A ascensão de Gavazzoni na máquina do Estado começou à frente da Secretaria de Administração no início do segundo mandato de Luiz Henrique da Silveira (PMDB). O pessedista lançou mão de um arrojado corte de gastos e começou a cair nas graças do peemedebista. Ambicioso, realizou a primeira licitação da história do governo de SC para a contratação de serviço de telefonia celular. Nessa negociação, Gavazzoni conseguiu que a operadora vencedora isentasse as ligações entre os telefones do governo, o que era incomum na época.

O secretário também se mostrou presente em um dos momentos mais complicados da vida política de LHS, quando o Tribunal Superior Eleitoral julgou o pedido de cassação em ação movida pelo PP nas eleições de 2006. Advogado por formação, Gavazzoni usou da experiência em Direito Eleitoral para sair em socorro do então governador. Pediu alguns dias de folga na Administração e embarcou para Brasília para auxiliar o jurista Eduardo Alckmin na defesa. A estratégia – incluir o então vice-governador Leonel Pavan (PSDB) no caso – deu certo.

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– Hoje o Gavazzoni é um dos poucos caras fora do PMDB que tem a confiança de LHS – conta alguém que priva da intimidade do senador.

Outro episódio marcante na relação entre o secretário e o ex-governador foi a criação do Instituto de Previdência de Santa Catarina (Iprev). O pessedista foi protagonista de uma exaustiva discussão com os poderes Legislativo, Judiciário, Ministério Público e Tribunal de Contas para criação de um fundo único. Depois do consenso, foi a vez de encarar os sindicalistas e 16 audiências públicas em todo o Estado. O próprio Luiz Henrique disse à época duvidar que o secretário conseguisse tirar do papel a ideia que estava em pauta há pelo menos 20 anos.

Em 17 de agosto de 2008, por 24 votos a favor e 13 contra, a Assembleia aprovou as mudanças e a criação do Iprev. Foi uma das grandes vitórias da carreira de Gavazzoni, ainda que o próprio secretário minimize o feito: “não faço esse tipo de somatório”.

Com o novo sistema, a previsão é de que o sistema de aposentadorias do Estado atinja um ponto de equilíbrio em 35 anos.

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– A criação do Iprev foi um divisor de águas na carreira do Gavazzoni – fala um antigo secretário de LHS que estava no governo na época e acompanhou as negociações.

Com tanta dedicação, veio a recompensa: LHS colocou Gavazzoni na Fazenda em dezembro de 2008.

::: O trampolim

A história mostra que a Secretaria da Fazenda pode ser um trampolim para aqueles que sonham em governar SC. Quatro governadores catarinenses passaram pela secretaria nos últimos 90 anos: Adolfo Konder, Heriberto Hulse, Antonio Carlos Konder Reis e o exemplo mais recente, Paulo Afonso Vieira (PMDB), eleito governador em 1994.

– Antonio (Gavazzoni) é muito esperto e ambicioso: quer ser governador. Ele corre, faz as coisas, e só depois comunica. Só que faz com competência – define um colaborador do governo.

Considerando que o atual momento político lhe exige prudência, Gavazzoni nega que seja um supersecretário e não gosta de falar sobre suas aspirações a governador. Reconhece que, diante do cargo que ocupa, é natural ter a ambição de governar SC. Sabe ainda que a fila no PSD é longa. Entre os pessedistas estão nomes como o do deputado federal João Rodrigues, do prefeito Cesar Souza Junior e do próprio deputado estadual Gelson Merisio.

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– Não faço desse meu desejo (de ser governador) uma missão de vida – fala o supersecretário.

::: Cobrador aos 7 anos

Casado com a médica ginecologista Fabielle, Gavazzoni tem dois filhos: Lorenzo e Bianca. O menino é o mais velho dos gavababys – como se referem às crianças os funcionários mais próximos – , completou dois anos em agosto. A menina tem 10 meses.

– No sábado e domingo, dificilmente viajo a trabalho como o Raimundo (Colombo) ou o Gelson (Merisio). Vou para casa ficar com minha mulher e meus filhos, senão não tem graça nenhuma – conta ao explicar o equilíbrio entre a maratona de 12 horas diárias de trabalho e a vida em família.

Xanxerense de classe média-alta, o secretário de 39 anos é o caçula de quatro irmãos. Fala com orgulho da família e do empreendedorismo do pai, que comprou um ônibus e criou o transporte coletivo de Xanxerê. Hoje a Auto Viação Xanxerê tem 15 veículos e a concessão do transporte da cidade até 2032.

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Aos sete anos, o filho foi trabalhar ao lado do pai como cobrador de ônibus, mas não viu nos negócios da família o seu futuro. Fez o curso na Unoesc e se formou advogado. Logo depois veio o mestrado e ainda este ano planeja concluir o doutorado em Direito Público na UFSC.

O secretário não gosta do rótulo de político, nem reconhece o perfil articulador. Insiste que é somente um advogado e que hoje exerce no governo um papel de gestor. Até a criação do PSD, sempre militou em legendas liberais. Se filiou ao PFL aos 18 anos. Depois veio o DEM.

– Eu nunca entrei na política de verdade, mas sempre trabalhei com política. Nunca disputei uma eleição. Sou suplente do senador, só que o voto é dele – diz Gavazzoni em referência a Luiz Henrique, dono da cadeira no Senado.

::: O primeiro discurso

O primeiro episódio político de que se lembra é de 1982, aos oito anos de idade, ouvindo o discurso de alguém que sonhava ser governador de Santa Catarina. No palanque improvisado, praticamente ao lado da casa dos pais de Gavazzoni em Xanxerê, estava o senador Jaison Barreto (PMDB).

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Era a primeira eleição direta para governador em Santa Catarina no final do regime militar (a ditadura só acabou em 1985). Naquele ano, Jaison foi derrotado por Esperidião Amin (sem partido, porque era PDS, não PP). Outra eleição que Gavazzoni não esquece foi a primeira do cunhado Merisio para a Câmara de Vereadores de Xanxerê. O ano era 1988.

– Me lembro até hoje: fez 713 votos – fala o secretário, traído pela memória, porque a Justiça Eleitoral mostra que o cunhado recebeu 707 votos naquela disputa, suficientes para que fosse o vereador mais votado da cidade.

O primeiro cargo público de destaque ocupado por Gavazzoni foi o de procurador-geral de Chapecó, na gestão do então prefeito João Rodrigues. Antes disso, habitava o segundo escalão, como assessor jurídico na prefeitura de Xanxerê. A chegada ao governo estadual, em 2007, foi sugestão do então deputado estadual Antonio Ceron (PSD) – chancelada pela bancada do DEM na Assembleia Legislativa. O cunhado Gelson Merisio – mais uma vez – não se intrometeu na decisão. Pelo menos, jura que não.