No final da tarde de segunda-feira, ainda no gabinete de secretário da Fazenda, Antonio Gavazzoni (PSD) recebeu a reportagem do Diário Catarinense para falar em entrevista exclusiva sobre a decisão de deixar o governo para se defender das citações dos delatores da Odebrecht e da JBS de que teria pedido recursos irregulares para campanhas eleitorais em 2014.
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Leia a íntegra:
Quando foi que o senhor decidiu sair da Fazenda?
É um grande sacrifício ser secretário de Estado, sobretudo num momento de crise como essa que a gente vive. Então você tem que estar mentalmente preparado, tem que estar com energia pessoal, tem que estar disposto, disponível. E aí, de repente, eu me vejo envolvido injustamente e indevidamente em assuntos de eleições, citados por delatores, por criminosos, e isso me provoca uma revolta, um desgosto e um aborrecimento muito grande. E eu não consigo mais assistir essa situação seguir e eu aqui me dedicando 12, 14 horas. Como advogado que sou, conheço os riscos de um processo. Vou agora deixar de me dividir com a Fazenda e me dedicar a isso. Eu poderia muito bem contratar alguém pra fazer isso, mas ficaria sem fazer bem o meu trabalho aqui porque ficaria preocupado com a outra situação.
Como será a atividade de advogado de si mesmo nesse caso?
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Eu vou estudar tudo que está acontecendo, vou estudar todos os processos, vou esclarecer eles nos âmbitos em que estiverem. Ao invés de ficar esperando alguém vir perguntar, eu vou esclarecer, vou atrás, vou conhecer e vou fazer aquilo que eu sei fazer bem que é advogar. Esses caras não vão provar nunca que o que dizem aconteceu. Nunca vão provar porque não é verdade, não é fato. Agora, eu não posso ficar esperando isso acontecer. Eu também vou tomar todas as medidas que eu puder tomar contra eles numa circunstância dessa pra poder provar pra cada pessoa que já confiou em mim de que nada disso é justo, de que nada disso aconteceu. Eu não entrei na área pública pra ganhar aplauso fácil. Eu não disputei eleições, não fiquei correndo atrás de cargos, eu sempre trabalhei muito porque achei que esse era o caminho mais difícil, mas talvez mais adequado pro futuro, seja político fosse profissional. E agora eu vejo isso ser desmanchado por criminosos confessos, que pra se salvar têm que encontrar um argumento pra dizer que alguém cometeu um crime. E eu não posso admitir isso e ficar assistindo.
A delação passou a fazer parte da vida política do país, como da Odebrecht recentemente e da JBS envolvendo os principais nomes da política nacional. Como o catarinense pode acreditar que as delações contra Lula, Dilma, Aécio e Temer são válidas enquanto as contra Colombo e o senhor não são?
Eu sou um cidadão como qualquer outro. Eu também, quando assisto a uma delação, fico indignado com o teor delas. Acredito ou não em certas delações, faço o meu julgamento a partir da razoabilidade. O fato de Santa Catarina, do que esses caras dizem, não tem razoabilidade nenhuma. O primeiro fato importante é o seguinte: a decisão em 2012 foi não vender a Casan. Isso era um assunto claro para todo mundo. A partir dali o governador optou por capitalizar a Casan com financiamentos, e ele fez isso com mais de R$ 2 bilhões que foram investidos na empresa. É um caminho diferente daquele de 2011, quando se desenhou a abertura de capital. O governador tomou um cuidado gigantesco à época de colocar na legislação que qualquer abertura de capital seria na Bolsa de Valores, portanto sem interveniência da administração local, sem edital, sem nada disso que pudesse prejudicar a competitividade. Mas ele decidiu depois não abrir mais o capital, e isso foi em 2012, e depois nunca mais mudou de posicionamento. Então o fato mais importante, que tem que se dar muita valia, é que o que eles usam como argumento, que por um lado teriam ajudado em campanha e por outro recebido promessas disso e daquilo, não se coaduna com o que o governo fez nesse período. O governo não vendeu nenhuma ação da Casan. A decisão do Colombo, lá de 2012, é firme e nunca mais foi retocada. Agora, no caso da JBS, eles precisam encontrar um argumento pra dizer que é propina, que tinha ato de ofício. Diz o delator que o ato de ofício só não aconteceu porque nós não desejávamos. Mas que ato de ofício? Ah, “porque nós iríamos escrever o edital juntos”. Que edital? A própria lei diz que não tem edital. A própria lei diz que é leilão em bolsa. Então assim, nitidamente essas pessoas precisam encontrar argumentos para justificar algo, incriminando outros, mesmo que indevidamente. Então foram pro exterior, estão vivendo de forma milionária em qualquer lugar do mundo, e o Brasil que se dane. Então acho que a população e todos nós sabemos dividir bem o que seguramente é um comportamento inadequado e seguramente teve algum ilícito, daqueles que hoje são vítimas desse processo. Eu não vou assistir passivamente o meu nome, a minha história, que eu vim construindo com tanto trabalho, ser jogado na lata do lixo por pessoas como essas. Então acho que o melhor que eu posso fazer agora é exatamente deixar o governo e cuidar desses processos.
Como foi esse episódio do jantar com a JBS. Em algum momento a Casan foi citada ou algum outro interesse em Santa Catarina foi citado?
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Não. Depois que a JBS adquiriu a Seara, tornando a JBS em Santa Catarina uma das maiores empresas do Estado, houve um jantar na casa do Joesley organizado pelo ministro Gilberto Kassab. Nesse jantar tinham várias pessoas além de eu e o governador, do próprio ministro, tinham vários outros empresários convidados pelo anfitrião que era o presidente da JBS. Nunca se tratou da Casan. Aliás, é uma surpresa da JBS falar na Casan. É uma surpresa fantástica, não fecha A com B. Ninguém esperava qualquer comentário dessa natureza. Então eu acho que o que vai acontecer a frente é que vai ficar muito claro que esse episódio é armado e mentiroso, exatamente pra poder justificar “olha, lá em Santa Catarina a gente fez uma doação eleitoral, mas a gente precisa dizer que isso é um crime, então eles nos prometeram alguma coisa”. Cabe na tua cabeça imaginar que num jantar de várias pessoas, o jantar é interrompido para discutir propina, venda de empresa. Que o governador e o presidente da empresa fazem “assim com a cabeça”. Então assim, a gente vive num momento em que os absurdos acontecem. O que temos a consciência tranquila e não podemos admitir é ficar passivos.
Quando tornaram-se públicas as delações da Odebrecht, o senhor também pensou em sair do cargo?
Pensei. Naquela primeira delação, a minha primeira reação foi “não vou ficar sofrendo essa injusta acusação e ao mesmo tempo trabalhando como trabalho”. Achei injusto, dolorido. À época, circunstâncias um pouco diferentes me levaram a colocar os interesses da Fazenda em primeiro lugar. Com a segunda delação, eu não posso ficar assistindo essa banda tocar. Vou cuidar da parte jurídica fazendo algo que ninguém faz: abrindo mão do foro privilegiado.
O senhor continuaria vinculado ao foro do governador por estar na mesma investigação.
Vamos ver. Pode ser que sim, pode ser que não. O que eu faço é sair de uma condição de cargo público para poder ter a liberdade de atuar como advogado que sou.
Houve o encontro relatado por delatores da Odebrecht no Tribunal de Contas para tratar de doações de campanha?
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Nunca recebi e nunca me encontrei com Paulo Welzel. Veja que ele primeira faz uma delação e diz que várias vezes se encontrou comigo. Depois ele se retrata. Se ele não faz essa retratação, como que eu provo que não aconteceu? Sob pressão, tentando encontrar argumentos sobre o que aconteceu no passado, eles erram, contam coisas que não aconteceu. Nunca dei audiência a ele e nem ao Fernando Reis porque a venda da Casan não era da minha alçada.
Se arrepende de ter jantado com Fernando Reis?
Um jantar com o presidente de uma das maiores empresas do mundo, numa época em que eles não tinham nenhum problema notório, num jantar em que havia testemunhas que em um momento certo vão dizer a respeito, eu não me arrependo.
O senhor tem medo de que essas delações maculem sua trajetória aqui na Fazenda?
O estrago que isso poderia ter feito já fez. O que eu não quero é continuar me dedicando com toda energia (na Secretaria) e perder a hora da defesa judicial.
Como foi a conversa com o governador Raimundo Colombo em que o senhor comunicou a decisão de deixar o cargo?
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O tempo une as pessoas, faz com que a amizade seja muito forte. Eu além de ser um cargo de confiança, hoje me considero um amigo. Foi uma decisão muito difícil de ser tomada, mas ele concorda comigo. Em que pese prejuízos para o governo neste momento, ele como amigo não pode me manter numa atividade em que agora não me sinto bem.
O senhor imprimiu um estilo pessoal na Fazenda, com a equipe muito próxima ao senhor. Acha que afeta o dia-a-dia sua saída?
A Fazenda tem um grupo muito qualificado, aqui temos as melhores cabeças. Eles vão substituir a minha ausência com o profissionalismo deles. A Fazenda não perde nada com a minha saída.
O senhor participou da escolha de Almir Gorges?
Não, foi uma escolha pessoal do governador. Ele foi meu adjunto o tempo todo e havia optado por se aposentar (no final do ano passado). Tinha 40 anos de Fazenda e estava com outro projeto de vida, mas o governador lembrou na hora, porque precisava ser uma pessoa com larga experiência aqui dentro. Não era hora de fazer aventuras, ainda mais em fim de governo. Com sua memória, Gorges é a pessoa certa para esse desafio.
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O PSD tem um projeto político para 2018 e especialmente o PSD do Oeste, representado pelo deputado Gelson Merisio, que tem a mesma origem que o senhor. Sua saída fragiliza esse projeto?
Fragiliza em nada. Os projetos políticos têm que seguir sendo tocados independentemente das pessoas. Eu sou uma das pessoas do grupo. O fato é que eu tenho uma questão pessoal, quero poder me defender com toda tranquilidade e o governo me dividiria. Minha questão pessoal não interfere em nada no projeto político.
Se resolver essa questão, pode retornar à Fazenda?
Com honestidade, eu não sei se tenho vontade e ânimo de um dia voltar a qualquer função pública. Acho que minha cota já se deu. Fiz minha parte, acho que fiz bem feito. Vencemos a maior parte das lutas, acho que fizemos mais bem para o Estado considerando que é hoje um dos mais bem administrados do país. Olha o nível de desemprego, a competitividade tributária, olha a folha em dia, a capacidade de investir, os novos servidores. Muita coisa boa que conseguimos fazer em prol da sociedade. Agora quero cuidar mais da família e dos meus interesses.
Como quer ser lembrado na passagem pela Fazenda?
Uma pessoa simples, dedicada e honesta.
Reforma da previdência, renegociação das dívidas?
Foram dois grandes momentos, duríssimos, com muita responsabilidade nas apostas que fizemos. Nesses dois casos e em tantos outros, o mais importante é que o gestor público precisa tomar decisões e elas são exageradamente complexas. Não há um caminho que não tenha várias consequências a partir das decisões. Sempre que um administrador público toma uma decisão, a gente mede os riscos. Se ele não tiver um pouco de ousadia e apenas seguir o manualzinho, ele não consegue administrar o Estado em épocas extraordinárias como esta que estamos vivendo. Acho que a gente acertou mais do que errou.
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É uma crítica aos órgãos de controle, como o Ministério Público de Contas?
Eu acho que eles fazem o papel deles. Mas é isso: cada um tem o seu papel e depois alguém tem que julgar isso. E quando julgar isso, não pode seguir manual. Tem que compreender o cenário em que a gente vive, que é a maior crise econômica da história do Brasil. Se o Estado tivesse se desequilibrado a ponto de não pagar uma folha, a segurança pública entra em colapso, a saúde entra em colapso, a educação se desarruma, as pessoas perdem a coragem de investir. A obrigação do governo é manter a harmonia da sociedade, coisa que estados vizinhos não conseguiram fazer. Essa é a nossa vitória. Mesmo que alguns achem que alguns desses atos não pudessem ser praticados. Talvez estivéssemos vivendo uma profunda recessão econômica se tivéssemos seguido o manual.
O senhor se refere à operação contábil que classificou como doações ao Fundo Social parte do ICMS a ser cobrado da Celesc?
Essa operação é rotineira no resto do Brasil. Aqui virou uma polêmica.
Nesse volume (R$ 1 bilhão em dois anos)?
Nesse volume, sobretudo nos Estados mais fragilizados. Eles desvinculam receitas para manter serviços básicos. Em épocas extraordinárias a gente precisa de ousadia para manter os serviços em dia. Digo mais, no futuro muito do que hoje é questionado será a regra. Vai virar lei nacional, porque precisa ser feito.