A professora Jeruse Romão, 60 anos, fez do tempo de pandemia um período de produção. A educadora, feminista e militante negra aproveitou o isolamento social para se dedicar a escrever sobre uma “velha conhecida”: Antonieta de Barros. Se por um lado as duas nunca trocaram uma palavra, é também verdadeiro que ainda menina Jeruse foi afetivamente tocada pela história de Antonieta. O que começou com a ideia de ser apenas um artigo se transformou em 312 páginas. “Antonieta de Barros: Professora, escritora, jornalista, primeira deputada catarinense e negra do Brasil”.
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Por conta da pandemia, o lançamento, dia 20, foi pela internet. O livro, à venda em lugares que operam afronegócios – como cafeterias, barbearias e salões de beleza – está dividido em sete capítulos. A apresentação é feita pela jovem professora Azânia Mahin Romão Nogueira, filha de Jeruse, encarregada de articular a aproximação da biógrafa e da fonte de inspiração. As duas são mulheres negras, professoras e com vivências em Florianópolis.
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Antonieta nasceu no começo do século 20, em 1901, quando o rádio e jornais impressos eram os únicos meios de comunicação na sociedade catarinense. Aos 60 anos, Jeruse acompanhou as transformações decorrentes das tecnologias e, especialmente, a partir da internet. Foi exatamente através das mídias sociais que o livro se tornou realidade como uma produção independente que contou com o apoio de pessoas físicas e jurídicas.
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– Em janeiro deste ano, uma vaquinha ganhou repercussão nacional. Foi através da divulgação que a Editora Cais estabeleceu a parceria. O tema sobre Antonieta, uma mulher negra ainda não tão conhecida no país despertou atenção, e entre os muitos a quem agradeço pelo engajamento estão a atriz Zezé Mota e a deputada (PCdoB) e sambista Leci Brandão – conta Jeruse.
No capítulo primeiro, a autora contextualiza de maneira bastante sucinta Florianópolis nos tempos de Antonieta. Focaliza Lages, território originária de sua avó, avô, mãe – Catarina – e irmã mais velha. O capítulo segundo é dedicado à família. No terceiro, Jeruse apresenta Antonieta de Barros na trajetória pela educação, e evidencia a importância da irmã, a professora Leonor de Barros, um dos nomes mais proeminentes da educação catarinense, sendo também, como a biografada, nome de escola e de rua em Florianópolis.
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No capítulo quarto, é a vez de Antonieta jornalista. A autora informa sobre quais jornais participou, elaborando um quadro que organiza por data, em quais periódicos escreveu e quais os temas abordados. Neste capítulo apresenta as intenções do livro “Farrapos de ideias”. O capítulo quinto apresenta Antonieta deputada. Jeruse descreve os principais objetivos nesse tema: Antonieta manifestando por qual motivo decidiu aceitar o convite para ser candidata; em campanha pelo estado de Santa Catarina; os apoios recebidos. Assim como a eleição, repercussão da eleição, posse e sua trajetória no parlamento catarinense, destacando os projetos de lei e alguns dos discursos na tribuna.
No sexto e sétimo capítulos, Jeruse traça – de 1901 a 1952 – as mais importantes atuações dos negros e das negras em movimento político, cultural e religioso em Santa Catarina. Também é apresentada a biografia do primeiro vereador negro de Florianópolis, correligionário de Antonieta, eleito em 1947. E informa a resposta dela, já bastante conhecida, quando atacada em sua pertença racial, na célebre crônica “Intriga barata da Senzala”.
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As páginas seguintes apresentam a repercussão do falecimento de Antonieta, e destaca a presença da irmã, Leonor, seguiu com o legado na educação, no amparo de assistência e na atuação política. Compõem o livro, os anexos, e o texto de contracapa, que é de autoria de Flávia Person, diretora do documentário intitulado “Antonieta”.
O LIVRO
Antonieta de Barros: Professora, escritora, jornalista, primeira deputada catarinense e negra do Brasil
Capa: Cristine Larissa Clasen
Apresentação: Azânia Mahin Romão Nogueira
Textos: Jeruse Romão
Posfácio: Flávio Soares de Barros
Texto de contracapa: Flávia Person
Editora: Cais
Número de páginas: 312 (com anexo e cronologia) 53 imagens
Valor: R$ 60 (+ taxas de envio)
Contatos: e-mail: mariadailha50@gmail.com / WhatsApp: 48 991491618 / Instagram: @maria_dailha

“Antonieta teve um protagonismo político anterior aos tempos de parlamento”
Jeruse Romão nasceu em Florianópolis, no dia 24 de dezembro de 1960, filha da professora Zulma Silva Romão e de Bernardino Romão. Formou-se em Magistério e no curso de Pedagogia, frequentando o mesmo prédio no qual Antonieta de Barros foi professora, a sua época com outro nome, Colégio de Aplicação e Faculdade de Educação (FAED), respectivamente. É fundadora do Núcleo de Estudos Negros (NEN), organização que a partir de 1986 passou a atuar a serviço do Movimento Negro de Santa Catarina.
Na década de 1990, enquanto assessora parlamentar na Câmara de Vereadores, trabalhou para elaboração da resolução que criava, no âmbito da Câmara Municipal de Florianópolis, a Medalha Antonieta de Barros. Em 2004, na condição de coordenadora do Fórum de Mulheres Negras propôs que se criasse na Assembleia Legislativa de Santa Catarina, o Programa Antonieta de Barros, do qual foi a primeira coordenadora.
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Entre 2002 e 2005 foi assessora da Unesco para o Ministério da Educação. Enquanto integrante do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros (NEAB) da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc) estruturou uma ação que selecionou 60 mulheres negras para a frequência do curso de Pedagogia EAD, também denominado Programa Antonieta de Barros.
Na entrevista a seguir a autora traz mais detalhes sobre o livro. Confira:
Quando você teve conhecimento sobre Antonieta de Barros?
Descobri Antonieta de Barros ainda sem saber escrever. Meus pais tiveram uma filha e deram o nome de Antonieta em homenagem a aquela que inspirava mulheres professoras, mulheres professoras negras. Curiosamente, a nossa família trazia a letra J nos nomes dos filhos e das filhas (Jeruse, Janete, Juçara, Jucemar, Jorge) e Antonieta foi registrada de forma diferente. Por isso digo: eu sempre soube quem foi Antonieta de Barros.
O que motivou você a escrever o livro?
Me incomodava a forma solitária como Antonieta de Barros sempre foi apresentada. Por isso, me empenhei em buscar informações sobre a família. Aliás, para contextualizar no âmbito de vida familiar e social, a obra é concluída pelo posfácio assinado por um de seus sobrinhos netos, Flávio Soares de Barros, neto de seu irmão Cristalino.
O que você destaca na trajetória de Antonieta?
Antonieta foi primeira em muitas coisas: primeira escritora negra de Santa Catarina, foi a mulher que mais tempo permaneceu na imprensa no período em que viveu e serviu de inspiração para outros estados eleger mulheres, como ocorreu no vizinho estado do Paraná.
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A sua dedicação ao magistério se deve a Antonieta?
Fui a primeira pessoa da minha família a ingressar na universidade. Penso que devo a minha mãe o despertar da vocação para o magistério. Ela foi professora no Mobral (Movimento Brasileiro de Alfabetização) e eu, com cinco anos, a acompanhava. Eu a via a fazer os planos de aula, e queria aprender. Não lembro dos rostos daqueles adultos que tinham aulas à noite, mas tenho muito viva a imagem das mãos desses trabalhadores e trabalhadoras. Na época, era comum se pegar na mão do aluno para fazer o movimento (formato) da letra “a”, da letra “o”. Minha mão pequena, de uma criança negra, sobre as mãos daqueles adultos marcou a minha vida.
Existem outros livros sobre Antonieta. O que você apresenta de diferente ou de novo?
A família de Antonieta está presente neste livro. Nele, pioneiramente, todos os membros da família são apresentados e, pela primeira vez, se conhece a biografia do pai dela, Rodolfo José de Barros, um funcionário dos Correios. Diferentemente do que se escrevia, Antonieta morreu aos 50 anos, e não aos 51 como divulgado anteriormente.
A imagem de Antonieta, especialmente com relação a atuação política, está ligada à família Ramos. O livro confirma esta narrativa?
Antonieta já tinha protagonismo político antes mesmo de entrar para o parlamento catarinense. O fazer política estava presente na trajetória dos irmãos de Antonieta, os quais foram ativistas das primeiras organizações negras na década de 1920. Um dos irmãos, inclusive, fundou o Sindicato dos Pintores (paredes), uma profissão de muito valor na época. Tem coisas a serem corrigidas. Em 1919, por exemplo, Antonieta já escrevia na Revista da Escola Normal, e em 1920 ela passa a presidir o Grêmio Estudantil.
Além de ser a primeira deputada catarinense, o que se deve destacar na trajetória de Antonieta?
Isso é importante: ela não foi suplente, mas titular do cargo no seu primeiro mandato na Alesc, inclusive, com apoio do Movimento Feminista Nacional. Antonieta foi a primeira mulher negra a publicar um livro em Santa Catarina, o “Farrapos de ideias”. Além disso, a primeira a trabalhar na imprensa catarinense. Ela usava o pseudônimo Maria da Ilha, no jornal O Estado, e era uma crítica social da época.
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Gerações de alunos passaram pelas mãos de Antonieta de Barros. O livro trata disso?
Também trata. Para se ter uma ideia da importância do magistério na época, dois ex-governadores de Santa Catarina foram alunos de Antonieta. Quem ler o livro saberá quem são.
Você tem profunda identidade com Antonieta, como o amor ao magistério e as lutas políticas. Tem algo mais que descobriu na pesquisa?
Somos mulheres, negras, professoras, catarinenses. Quando eu estava garimpando achei uma fotografia de Antonieta onde ela escreveu no verso: “Mente quem diz que sou triste”. Eu também não gosto muito de sorrir nas fotos, mas de vez em quando faço isso.
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