Um circo que precisou fechar uma semana após a estreia. Uma publicitária que ficou sem emprego ao concluir o período de três meses de experiência, após anos em busca de estabilidade. Um casal que antecipou um desejo antigo para garantir o próprio sustento e um letrista que encarou um novo desafio após perder o emprego onde trabalhou por 33 anos.

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Conheças as histórias de pessoas que encontraram na dificuldade e no desemprego provocados pela pandemia do coronavírus, uma oportunidade para se reinventar e sobreviver em Santa Catarina.

O que aprendemos com a pandemia?

“Antes de ter coragem a gente tem necessidade”

Com 55 anos de idade e prestes a alcançar a aposentadoria, o manezinho da Ilha de Santa Catarina, Carlos Antonio Hang, foi pego de surpresa no no dia 30 de abril deste ano: no seu último dia de férias perdeu o emprego que havia lhe garantido estabilidade e sustento por 33 anos.

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O Hang Lettering é um projeto familiar que surgiu durante a pandemia
O Hang Lettering é um projeto familiar que surgiu durante a pandemia (Foto: Arquivo Pessoal)

Sem chão, como definiu o momento, o letrista precisou lidar com a frustração, a insegurança e a súbita mudança de rotina.

– Foi o meu primeiro emprego. Achava que isso jamais aconteceria, tinha um grande vínculo com a empresa, com as pessoas – se emociona.

Com ajuda da família, que julga fundamental em todo o processo, encarou um novo desafio: começaria do zero, mantendo a profissão de letrista, área que se sente seguro para atuar, mas de forma autônoma e virtual, o que demanda divulgar o próprio trabalho e a conviver com outra novidade que ainda se habitua, as redes sociais.

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– É um recomeço, tudo é novo. Não somos da geração das redes sociais e da internet. É até bizarro. A questão é que ele tem uma habilidade que é desenhar e está fazendo cursos o tempo inteiro. E eu estou aprendendo o marketing digital, porque tornamos um negócio de família. Tudo está sendo completamente novo para nós e estamos apostando nisso. É coragem, sim. Mas, antes de ter coragem, a gente tem necessidade – diz Gisele Dutra, esposa de Hang, que participou da conversa em apoio ao marido, ainda bastante emocionado com a situação e um pouco encabulado com a entrevista.

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Agora, Hang se habitua a trabalhar de casa junto com as filhas, que também passam pela adaptação, ao lado da esposa, que aperfeiçoa as habilidades virtuais e, mais do que isso, se familiariza com a ideia de tocar o próprio negócio e com o novo modal de venda do seu serviço. E apesar do medo, a necessidade do recomeço ainda serviu para reforçar os laços da família.

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– Se a gente tem medo? Muito. A gente tem muita clareza que não vai ser fácil, mas a gente tem necessidade e coragem de vencer, de ter qualidade de vida e de dar o nosso melhor – finaliza Gisele.

“A diversão ficou em último plano”

Duas semanas após estrear em São José, na Grande Florianópolis, de investir em divulgação o pouco que tinha em caixa e com a expectativa de que dois meses prósperos viriam pela frente, uma notícia pegou a todos de surpresa: o circo, fonte de sustento de cinquenta pessoas, precisaria fechar. E imediatamente.

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Circo Rekmer adaptou o formato do espetáculo para drive-in, para sobreviver à pandemia
Circo Rekmer adaptou o formato do espetáculo para drive-in, para sobreviver à pandemia (Foto: Arquivo Pessoal)

A “pancada”, como descreve o diretor do circo Rakmer, Jeferson Batista Urbano, não só deixou as famílias que dependem do lucro dos espetáculos circenses sem sustento, como foi difícil de entender.

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– De repente as coisas ficaram desesperadoras. Eu tinha uma expectativa de que a pandemia não seria tão grande, ninguém imaginava o que ia acontecer. E depois de dois meses nós continuávamos fechados e sem condições – conta.

A necessidade de encontrar um meio de sustento fez surgir uma ideia. Inspirado nas lives sertanejas, tendência do início da pandemia, Urbano sugeriu ao grupo que apresentassem um espetáculo online, através das redes sociais:

– Não conhecia ninguém na região, então divulguei nas nossas redes sobre a live, com a intenção de que as pessoas que já nos conheciam pudessem nos ajudar. Uma senhora entrou em contato e falou do Mário Motta. Ela intermediou o contato com ele, que também tem sua essência no circo, e com a ajuda da divulgação que ele fez, conseguimos arrecadar um dinheiro para sustentar a gente por um bom tempo.

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Depois da primeira apresentação online, outras duas foram ao ar, mas não com o mesmo retorno. Sem licença para se instalar em outro município, incerto sobre as decisões governamentais de restrições e mais uma vez de frente para a dificuldade, o diretor precisou, novamente, se reinventar.

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– Ficamos acuados, não somos qualificados para outra coisa. Nós aprendemos a fazer circo. Nascemos no circo. Então, eu vi uma apresentação drive-in em Portugal e aproveitei a ideia. Fui atrás de um palco mais alto, das licenças na prefeitura (de São José, onde segue instalado) e conversei com o shopping Itaguaçu (onde a estrutura está instalada). E assim estamos nos mantendo – conta.

Apresentações mudam todas as semanas; mês das crianças terá dinossauros como tema
Apresentações mudam todas as semanas; mês das crianças terá dinossauros como tema (Foto: Arquivo Pessoal)

Além disso, outros integrantes do circo se ajustaram como puderam, com a venda de algodão-doce e de maçã-do-amor pela cidade, como motoristas de aplicativo ou auxiliares para carregamento de cargas. Todos se reinventaram, por necessidade, mas não sem deixar a essência e o desejo de voltar ao palco do circo, sob a lona colorida, o mais breve possível:

– O circo é a minha vida. Tenho 54 anos de idade e de circo. Passei por muitas fases e jamais imaginei parar o circo. E nesse momento tão triste, a diversão foi colocada em último plano. Esqueceram agora que as pessoas têm que ser feliz.

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As receitas que saíram do papel durante a pandemia

“Repara como o poeta humaniza as coisas: dá hesitação às folhas, anseios ao vento. Talvez seja assim que Deus dá alma aos homens”.

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O poema de Mário Quintana foi escrito em um pedaço de papel e enviado a um cliente junto com o pão artesanal produzido por uma professora de educação infantil de Joinville, que encontrou em um desejo antigo o meio de sustento da família. O bilhete foi ideia da companheira, que vive da arte, mas também foi obrigada a parar com a chegada da doença no estado.

Andréia e Sandra, proprietárias do MamaBrum em Joinville
Andréia e Sandra, proprietárias do MamaBrum em Joinville (Foto: Arquivo Pessoal)

As duas passaram a produzir e a entregar o alimento, através do MamaBrum, sempre acompanhado de um gesto de carinho.

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– Achei que em meio a pandemia, um poema e um pão quentinho acalentariam um pouco as almas aflitas – conta Andréia Malena Rocha, de 50 anos.

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Formada em história, compositora e atriz de teatro há mais de 20 anos, Andréia conta que a companheira, Sandra Amália de Oliveira, 42 anos, iniciou com a produção de pães em fevereiro, com entrega em uma escola. Era um projeto antigo, que começou de forma tímida e, no início, sem muita pretensão.

– Sandra adorava fermentação, fez o curso, mas não havia colocado em prática a ideia. Quando o contrato dela venceu e eu não tinha mais como continuar (devido ao decreto que determinou o fechamento das atividades educacionais e culturais de forma presencial), comecei a oferecer os pães para as pessoas, com ajuda de amigos. E a Sandra começou a aperfeiçoar a receita.

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@queromamabrum Todas as segundas, postamos a frase enviada na sexta passad, junto com os pães.

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A necessidade fez nascer a coragem de tocar um projeto já idealizado pela professora, e de aprender a divulgar o trabalho no ambiente virtual.

– As duas se reinventaram, ela fazendo pão e tentando aperfeiçoar a receita e eu tentando lidar com as redes e fazendo entrega dos pães – conta Andréia.

Retorno para casa e uma nova oportunidade

Depois de voltar do exterior, há mais de cinco anos, a publicitária catarinense que preferiu não se identificar trabalhou como freelancer em TV a maior parte do tempo. Não era a área que pretendia, já que sua formação a encaminha ao marketing, mas fez uma série de trabalhos temporários até ser contratada formalmente em uma emissora de São Paulo, que lhe garantiria a estabilidade financeira que desejava há anos. O emprego, no entanto, veio num momento incerto, de pandemia.

Ao fechar o terceiro mês de experiência, a publicitária teve o vínculo encerrado. Sem precedentes que lhe garantissem o seguro desemprego ou o auxílio-emergencial do governo federal, ficou totalmente sem recursos e precisou retornar a Santa Catarina, onde buscaria novas oportunidades.

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Passou uma rápida temporada em Florianópolis, onde acreditou que teria melhores oportunidades para atuar na área de marketing, mas não arrumou serviço.

Decidiu que voltaria para a casa dos pais, no Oeste de SC, ao menos até encontrar um meio de sustento. Passou por dificuldades para conseguir chegar a região, devido aos decretos que proibiam a circulação de ônibus no estado, continuou na busca de trabalho e abraçou todos os cursos online gratuitos ou de baixo custo, para aperfeiçoar sua formação. Quando finalmente encontrou a família, recebeu uma indicação:

– Foi tudo bem inesperado. Acabei vindo para ficar mais perto da minha família, por uma opção financeira e onde eu nem esperava encontrar algo na minha área, que era algo que eu queria e tentava há muito tempo. No final das contas foi tudo tão perfeito. Talvez se não tivesse a pandemia eu teria ficado batendo na porta de São Paulo e Florianópolis e não teria dado em nada.

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Todo o processo não foi fácil. Adaptação, mudanças e falta de recursos. Mas nem por isso, a catarinense de 46 anos, desistiu e esteve aberta às oportunidades. Se permitiu reinventar, com a mudança de estado e de região. E é a sugestão que dá para as milhares de pessoas que passam pela mesma situação.

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