O sonho daqueles que olham um terreno baldio e imediatamente veem um grande condomínio residencial com garagem, suítes e dependência de empregada é conquistar espaço no bairro Anita Garibaldi. Considerado o “lá longe” do Centro até poucas décadas atrás, o bairro hoje é um pedaço de chão disputado, de onde brotam prédios altos com nomes pomposos em francês e italiano.

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Nas ruas de calçamento (que cobre quase 60% das vias), os paralelepípedos é que sofrem: a cada golpe de picareta para a instalação de uma nova galeria de rede pluvial, as pedras são recolocadas daquele jeito torto que incomoda os moradores mais antigos. É uma das reividicações mais comuns à Prefeitura:

– Aplainem, por favor, as ondulações na minha rua.

Três aspectos mostram a febre imobiliária no Anita Garibaldi. Das 5.064 edificações cadastradas no primeiro semestre do ano passado, 72% são residenciais. Poucos bairros têm tantos outdoors que anunciam apartamentos, administradoras de condomínio e as possibilidades do programa de habitação Minha Casa Minha Vida, da Caixa Econômica Federal. E quase metade dos estabelecimentos é de prestadores de serviço (bairros que servem para morar atraem cabeleireiros, médicos, advogados).

Apesar de mais da metade das construções ser ligadas à rede de esgoto, nas contas da distribuidora de água, a Associação de Moradores do Anita (Amiga) teme que os condomínios dos quais hoje só se vê o esqueleto não tenham um sistema à altura assim que começarem a acolher famílias. A Amiga enviou um ofício à Prefeitura no ano passado. A Águas de Joinville respondeu: tendo alvará, não tem problema. E os prédios crescem, tijolo a tijolo, até o limite de 12 andares que o zoneamento permite.

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Outro medo: quem vê o rio Jaguarão em tempos de calmaria não imagina do que ele é capaz em dias de chuva. Ele cresce até ultrapassar galerias e pontes e chega às construções erguidas em épocas em que não havia ou não se aplicava o Código Florestal.

Moradores como Carlos Alberto Baptista, de 41 anos (40 deles na rua Caxias do Sul), até fazem vídeos e fotografias do rio em fúria.

– As pessoas paravam o carro, sem poder seguir, e me perguntavam se aquilo era um rio ou uma ponte inundada – conta ele, sobre a última enchente, em janeiro.

Ruas como a Pernambuco, a Bahia e a Concórdia têm ficha corrida em alagamentos. As máquinas limparam o rio Jaguarão no ano passado e devem voltar na segunda quinzena de março, afirma Rocheli Grendene, secretária da Regional do Centro, que abrange o Anita.

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– Tem também solicitação de asfalto, mas o Anita é muito parecido com o América. É um bairro residencial, que não pede vias rápidas. E a impermeabilização piora os problemas de alagamento.

SECOS E MOLHADOS

Quem está em busca de artigos de “antigamente”, tem chance de encontrá-los em um mercado no Anita Garibaldi. Estão lá: tamanco de madeira e couro, vassoura de piaçava, conservas de Rollmops (peixe enrolado em cebola) e ovo de codorna defumado. E um chineque famoso.

O mercado foi fundado por Augusto Keunecke, hoje com 83 anos. Criado em Luiz Alves, veio há cerca de 50 anos com a mulher, Irene, para Joinville após brigar com a família por motivos políticos. Abriu um boteco que foi crescendo até chegar a armazém de secos e molhados, com um balcão de padaria disputado no meio da tarde.

Durante anos, guiou um caminhão com mercadorias (ração, cereais, ferragens) que oferecia nos sítios. Só alguns clientes podiam comprar fiado. A “caderneta” ainda existe, mas para os mais confiáveis.

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-Nunca vendi fiado para qualquer um – explica Augusto.

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