Em sua curta trajetória como diretora, a atriz Angelina Jolie tem buscado temas que iluminem personagens perseverantes diante de provações: a saga de uma mulher na Guerra da Bósnia em Na Terra de Amor e Ódio (2011), a resistência de um soldado americano feito prisioneiro pelos japoneses na II Guerra em Invencível (2014), e, agora, em À Beira-Mar, a jornada de um casal para salvar o relacionamento que se desmancha na infelicidade.
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No filme em cartaz nos cinemas, Angelina dirige seu marido, Brad Pitt, com quem protagoniza uma história ambientada nos anos 1970 e que tem como evidente ambição emular o clima existencialista consagrado por Michelangelo Antonioni e outros cineastas europeus nas décadas de 1950 e 1960. É um passo largo e nada modesto, convenhamos, mas Angelina vence o desafio apresentando um longa que mostra problemas em suas mais de duas horas de duração – de ritmo e de foco, sobretudo –, porém indica que tanto ela quanto seu parceiro de vida e trabalho não são de estacionar na zona de conforto que costuma amortecer as carreiras de grandes estrelas do cinema. São dos que preferem o risco de, por vezes, atrelar seus nomes a projetos que são como objetos estranhos na milionária linha de produção e entretenimento que representam.
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À Beira-Mar apresenta Angelina e Pitt como Vanessa e Roland, casal que deixa Nova York para passar uma temporada num vilarejo francês às margens do Mediterrâneo (embora a locação tenha sido a ilha de Malta). Ele é um famoso escritor alcoólatra que busca no bucólico refúgio a inspiração para romper o bloqueio criativo e dar partida em um novo livro. Ela é uma ex-bailarina tombada pela depressão. Roland tem a esperança de que a viagem tenha efeito terapêutico no casamento, já que Vanessa se mostra cada vez mais arredia ao contato físico.
Nesse primeiro contato com os personagens, À Beira-Mar é bastante eficiente na reprodução do enfado existencial que também paralisa ricos, lindos e famosos. A bela fotografia de Christian Berger (parceiro de Michael Haneke em projetos como Caché e A Fita Branca) e a discreta trilha sonora de Gabriel Yared valorizam sobremaneira o contraste entre o clima alegre e solar do vilarejo e a sombria e fria convivência dos protagonistas.
Brad Pitt compõe seu personagem lembrando bastante a imagem consagrada pelo escritor Ernest Hemingway – alterna seu temperamento entre o afeto e fúria conforme as doses de gim que entorna no bar local. O tom da interpretação de Pitt parece mais adequado ao filme do que o mostrado por Angelina, que deixa escapar alguns exageros nas caras e bocas para sublinhar a desintegração psicológica de Vanessa. Detalhe que vale destacar: ambos falam em francês com seus interlocutores.
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Autora do roteiro, Angelina lança em À Beira-Mar um ponto de virada. É quando entram em cena os recém-casados François (Melvil Poupaud) e Lea (Mélanie Laurent), vizinhos de quarto no hotel que, com sua juventude, felicidade e alta voltagem sexual ressaltam a falência afetiva e o desencanto de Roland e Vanessa. A aproximação dos dois casais é um recurso que o roteiro busca sem maior sutileza para fazer Vanessa sair do torpor. Ela se torna voyeur daquela apaixonada relação e faz Roland embarcar nesse jogo de observação.Em princípio excitante, o contato com os jovens logo se abrirá ao risco.
A necessidade que Angelina tem de explicar e justificar o que poderia ficar nas entrelinhas e no subliminar mostra que seu ¿filme europeu¿ tem traços do DNA da Hollywood convencional, que impõe na trama uma desnecessária e forçada relação de causa e efeito. Mas, no conjunto da intenção e da realização, À Beira-Mar aponta que o passo largo e ambicioso de sua diretora tem um rumo.