Em 2017, quando apurava para a reportagem “Sozinhas – a história de mulheres que sofrem violência no campo”, ouvi de uma entrevistada:
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— No campo, a mulher trabalha tanto ou mais quanto o homem: a gente sabe tudo da propriedade, o que plantar, tempo de colheita, tira leite das vacas, roça a terra, dirige trator, faz comida, lava roupas, acompanha a educação dos filhos. Mas na hora que o pessoal vem aqui fazer pesquisa, eles perguntam pelo marido ou pai, o ‘dono’ da terra. Tem uns até que vão embora dizendo que voltam outro dia. Sem a gente, sem o nosso trabalho, não tem como o campo existir.
Lembrei-me desta história, hoje, lendo a Síntese Anual da Agricultura de Santa Catarina (2017-2018) da Epagri. Acredito que os profissionais da empresa de Pesquisa e Agropecuária e Extensão Rural fizeram o trabalho com esmero e com isso traçaram uma realidade muito significativa. A cada ano, 13 mil catarinenses deixam o campo no Estado.
É como se a população de municípios como Nova Veneza e Governador Celso Ramos desaparecessem a cada 365 dias. Outro dado do diagnóstico aponta que apenas 3.85% dos produtores rurais têm menos de 30 anos no Estado. Ou seja, menos que 4%. Tem mais: o estudo revela que nove em cada 10 produtores rurais de SC são homens, embora a força de trabalho seja 65% masculina e 35% feminina.
O envelhecimento do campo não é nada novo. O diagnóstico é conhecido de todos os últimos governos estaduais. Assim como é sabido que, ao contrário das avós e mães que cresceram, casaram e formaram suas famílias; as meninas estão rompendo o que anos atrás era uma tradição e hoje buscam outros destinos. Muitas jovens saem de casa para estudar, formam-se nas universidades ou conseguem um emprego com salário garantido – o que não é possível no campo – e ficam nas cidades.
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Relatos como o da minha entrevistada podem ajudar a entender um pouco a realidade dos campos catarinenses. Inclusive ela me contou outra mudança de comportamento: anos atrás, algumas famílias de agricultores já deixavam seus filhos homens estudarem na cidade. Com algumas exceções pais liberavam a filha para fazer magistério.
Terminado o curso ela retornava para ser a professora da comunidade. A situação mudou. Hoje, a preocupação e saudade podem ser minimizadas com o uso das redes sociais. Além do fato de que as universidades também se espalharam pelas cidades do interior, o que facilita o acesso a um curso.
Com mais estudo, as jovens buscam por profissões mais modernas e atrativas, como a tecnologia, e tendem a não querer repetir a história de suas avós ou mesmo mães que trabalham muito, convivem com dificuldades numa agricultura toxicante que cada vez mais se afasta do modelo familiar. Além de sofrer com tratamento desigual e machista.
O campo é um lugar onde a violência contra a mulher também continua a esperar por políticas públicas. Discutir o assunto na escola é um passo importante. Lá estão crianças que podem aprender uma lição mais respeitosa sobre os direitos das pessoas. É preciso reinventar a educação, o uso de tecnologias, as relações entre os que vivem no campo. Antes que se torne um grande deserto.
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