Não há tempo para discutir governos nos últimos filmes de Steven Spielberg, apenas as ações de homens e suas consequências. É a perspectiva humana o que importa. Desse modo, a primeira cena de Ponte dos Espiões é reveladora ao propor um de seus principais personagens, o coronel interpretado pelo extraordinário Mark Rylance, num literal autorretrato, onde podemos observar o homem, o seu reflexo e o retrato que pinta de si mesmo. Comum ao longo da narrativa, o triplo ponto de vista acerca de uma mesma situação é fascinante: desde três advogados se reunindo até duas recepcionistas com um vaso de flores ao centro do quadro, o cineasta busca constantemente um intercessor para valorizar seus opostos. James B. Donovan é o principal intermediário escolhido por Spielberg, sob essa ótica. Na apresentação, o destaque é sua fala: “Não é meu ‘cara’. É meu cliente. Há uma diferença”. A sua trajetória é traçada como o interlocutor de extremos.

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O cineasta se importa com o futuro em Ponte dos Espiões. Assim, outra vez, como em Lincoln, prefere filmar as reações infantis em cenas chaves – se antes o assassinato de um presidente era trocado pela comoção de uma criança; aqui, o julgamento de um tribunal passa para uma sala de aula, com todas as crianças de pé, jurando amor à bandeira, para depois assistir ao país lançando uma bomba atômica no Japão. Numa guerra de informações, Spielberg discorre sobre julgamentos prévios e escancara nossas realidades em diferentes trens. Ao Donavan analisar uma cena de jovens pulando grades para assaltar uma residência, portanto, compreendemos que ainda que estejamos em linhas distintas, o trilho pode ser o mesmo.

Em cartaz: Sicario

É um cinema de extremos o de Denis Villeneuve: o controle da mente, em Homem Duplicado; os horrores da guerra, em Incêndios; os atos violentos cultivados pelo desespero, em Suspeitos. Em Sicario, outra vez o diretor canadense oferece seu niilismo perverso como fruto de compreensão – que ações levaram os personagens a chegar até aquele ponto; basicamente o que movimenta sua filmografia. Assim, Villeneuve procura desculpas para seu sadismo ao demonstrar uma verdadeira zona de guerra nos EUA, fazendo com que a forte líder de operações do FBI Macy (Emily Blunt) padeça diante dos horrores e da hostilidade que observa no seu cotidiano. É a rua contra a burocracia, em Sicario. Entretanto, numa visão unilateral.

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Procura-se O Preço da Ilusão, o primeiro longa produzido em SC

Fique de olho

Em breve, os cinemas catarinenses receberão novidades da Plural Filmes. O longa-metragem Lua em Sagitário, que já vem gerando algum movimento nas redes sociais, é uma das principais apostas da produtora. O road-movie, rodado em Florianópolis, Dionísio Cerqueira, Princesa, Abelardo Luz e Urubici, é o primeiro projeto audiovisual do Estado a ganhar o prêmio Ibermedia, programa de estímulo à produção ibero-americana. A coprodução é da Argentina. O filme conta a história de um casal de jovens apaixonados por rock que sonha participar de um festival independente em Floripa. A direção é de Marcia Paraiso.

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Outros tempos

A discussão é interessante e recente. Enquanto Ponte dos Espiões, de Steven Spielberg, recebeu um tratamento comum, com poucas salas, os brasileiros Operações Especiais, SOS Mulheres ao Mar 2 e Vai que Cola dominam as sessões em SC. A influência da Globo Filmes ainda é imensa e aproveita as intenções da Ancine de limitar os blockbusters americanos, mas já é um começo para democratizar a programação.

* Andrey Lehnemann é jornalista e crítico de cinema. Começou a escrever sobre a sétima arte em 2004 até se tornar um dos cinco brasileiros membros da OFCS, organização mais antiga e respeitada de críticos de cinema online do mundo. É colaborador do Diário Catarinense desde 2012.