Assim como tudo era uma questão de controle para o professor Adam, no instável Homem Duplicado; para a personagem de Amy Adams, Dra. Louise Banks, tudo é sobre a perspectiva do Tempo. Nossos inícios e nossas conclusões. Quem éramos e quem seremos. Abraçaremos a nossa jornada, ainda que saibamos qual será seu destino? Se a nossa fragilidade diante do pensamento pós-vida nos leva a tantos enunciados que não chegam a lugar nenhum, as nossas dúvidas existenciais acabam sendo sempre mais relevantes e interessantes para abordar o presente.
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Villeneuve, pela primeira vez na sua carreira, foge de seu niilismo perverso e moralmente desafiador para construir uma parábola otimista sobre o tempo e sua razão. Algo que Interestelar, de Nolan, tentou, mas sem êxito. Não à toa, o casulo que é a ponte de comunicação entre raça humana e os heptapods pode lembrar muito a nave da imaginação de Cosmos, do inesquecível Carl Sagan.
E assim como o maravilhoso Contato, A Chegada carrega uma sensibilidade genuína ao lidar com a aproximação de uma nave como a oportunidade um recomeço para a humanidade (todos os governos formando uma rede de negociações, por exemplo) e uma esperança para o futuro. Se no filme de (Robert) Zemeckis, o nosso foco era a Dra. Ellie e seu relacionamento com o pai; Villeneuve desenvolve um paralelo forte entre Louise e sua filha, que pouco sabemos até chegar ao final.
Baseado no livro de Ted Chiang, o diretor constrói um paradoxo temporal que utiliza a linguagem como um porto-seguro para nos levar ao passado e ao futuro na mesma intensidade. Criando um contraste entre o pensamento positivista e a semiologia, Villeneuve almeja chegar aonde Nolan tentou em Interestelar: a ligação entre a razão e a emoção. Nossa relação com a ciência social e a ciência mecânica. Para o cineasta, uma não anula a outra. A tese de que a argumentação postula a ciência é o fio condutor de A Chegada. E sua legitimação.
Como toda a narrativa de Denis Villeneuve até agora, o embaraço se restringe as alusões morais ou a sua constante tentativa de soar pretensioso nos seus debates – e quando isso se junta, nós observamos instantes desagregadores, como aquele em que Louise indica que é a única a ter problema em dizer alienígena, ela puxando uma história simplesmente citando um canguru (o que fica inoportunamente cômico) ou quando Louise diz que, mesmo entendendo de comunicação, ela permanece solteira.
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Felizmente, o amor não importa a Villeneuve, percebe-se em seu terceiro ato. É a linguagem que nos une, nosso instinto como espécie e nosso assombro diante do desconhecido. É o que fez de 2001 uma obra tão impactante em seu lançamento, e que, claro, é referenciado aqui. Assim como é o que tornou Contato e Contatos Imediatos de Terceiro Grau filmes tão encorajadores sobre nosso espírito humano. Afinal, tudo é uma questão de tempo na vida, para encontrarmos o que buscamos. A esperança não faz exceção à sentença.
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