E eis que estou vazia. Tenho passado os dias esvaziando no papel todas as vozes dos personagens que gritam dentro de mim, dentro da minha cabeça, tirando meu sono, meu sossego, minha tranquilidade. Mas, quando transfiro para o papel tudo aquilo que eles me gritam de dentro para fora, há um silêncio que me incomoda. Sou uma casa vazia. Os personagens que me habitam saíram para passear e sabe lá Deus quando devem voltar. Se é que vão voltar.

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Uma luz amarela foi deixada acesa na garagem, para orientar o caminho daqueles que devem passar pelo portão quando o Sol tiver se posto, quando a madrugada tiver acordado as almas dos mortos esquecidos que clamam por uma chama acesa, por uma vela que seja.

Sou uma caixa vazia. Todos os presentes que estavam aqui já foram entregues, a quem merecia e a quem não merecia. Não sou o Papai Noel, meus presentes são gratuitos, estão à mão de quem ousar colhê-los, e não tenho como julgar o merecimento de cada um. De perto, ninguém é perfeito. De perto, bem e mal se fundem como águas coloridas que, uma vez misturadas, não podem ser separadas novamente. De perto, todos loucos e santos, em proporções diferentes, mas ninguém tão puro que possa subir ou descer direto, sem escalas no meio do caminho.

Sou um ninho vazio. Até o canto do pássaro que me acompanhava nos dias anteriores se calou. Não há ovo, não há pássaro faminto, nem quem o alimente. Não há nada além dos galhos secos enrolados em si mesmos, esperando a oportunidade de serem, mais uma vez, aquecidos por uma nova gênese da vida.

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Sou uma cidade vazia. É feriado, todos pegaram folga e fugiram para o litoral. As ruas, abandonadas como as casas, choram a ausência de vida. As luzes nos postes continuam a se acender à mesma hora, mas perderam totalmente o propósito, assim como os semáforos, as calçadas e as placas de sinalização. Se eu prestar bem atenção, acho que consigo ouvir o vento que corre solto.

Sou a ausência. A página em branco. O copo vazio. O vácuo. O oco. A lacuna. A fenda. O berço do bebê que cresceu. O sapato desbotado na vitrine. O balde sem água. O deserto. A reentrância. A lágrima que não caiu. A palavra engolida com o choro. A passagem só de ida. O adeus.

Há um único lado bom de se estar vazia: há muito espaço esperando para ser completado, para ser preenchido, para ser transbordado. E amanhã há de ser um novo dia.

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