É com grande pesar que lhe escrevo esta carta (e fico me perguntando: quem, além de mim, escreve cartas hoje em dia?). Sei que a vida é corrida, que faltam horas em nossos dias e vida em nossos momentos, mas precisamos conversar.
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Sua filha me contou, com lágrimas, que está prestes a abandonar os estudos. Seu choro anunciava que a situação a incomodava. Muito. Chegava a doer. Perguntei-lhe os motivos. Em princípio, ela desviou os olhos, encarou o nada no chão abaixo de seus pés encolhidos e se recusou a dizer. Não queria confusão. Não queria fazer fofoca. Mas não há como tirar um espinho da carne sem cavoucar as extremidades. Com muito custo, a primeira palavra se soltou da garganta, puxando a segunda, depois a terceira. Mal dei por mim, tinha um comboio de palavras que me dizia o que eu não queria ouvir.
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Mãe, sei que seu trabalho é honesto. Sei que é digno sustentar os filhos e a honra limpando salas, quartos e banheiros. Sei também que ter estudado apenas até o segundo ano das séries iniciais não significa menos honra do que quem estuda muitos e muitos anos. Só queria que pensasse: é isso o que deseja para sua filha? Você sabe o quanto é um trabalho duro. Está com os pulsos abertos e, por causa do esforço repetitivo, possivelmente vai para o encosto. Sua filha não aceita o argumento de que ela não precisa mais estudar porque já alcançou o primeiro ano do ensino médio. Ela quer mais, sonha com a vida na universidade, em poder trabalhar com algo mais leve, mais tranquilo e mais satisfatório; sonha em encher os pais de orgulho e retribuir-lhes a confiança, o carinho e o amor que sempre recebeu. Mas você, mãe, quer privá-la disso.
Se há um apelo que eu possa fazer — e eu vou fazê-lo mesmo que não possa — é que você pense em sua própria vida. Você é mulher, mãe, conhece todos os problemas que nós enfrentamos todos os dias. Talvez não consiga sequer se lembrar de todas as vezes que foi menosprezada pelo simples fato de ter nascido com o sexo errado. O mundo é hostil com as mulheres. Sua filha não precisa abandonar os estudos para trabalhar, ela precisa trabalhar para construir uma carreira e provar que ninguém tem o direito de diminuí-la por ser mulher, que ela é tão capaz quanto qualquer outra pessoa, independentemente do gênero.
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Não cometa com sua filha, mãe, os mesmos erros que o mundo comete com todas as mulheres. Por favor.