O ano tinha setembrado, mas ainda guardava resquícios de agosto. Dias cinzas, sem sal, sem açúcar, sem tempero e sem afeto. Encorujados. Encarangados. Não que ela não gostasse do inverno, mas há uma sabedoria universal na mudança das estações. Tudo que exagera, prejudica. Mesmo o inverno não tinha sido típico: com pouquíssimos dias de frio, o que se estendeu por quase três meses foi um tedioso meio-termo.
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Os dias eram sempre iguais, a casa sempre pequena, sem espaço para esconder as bagunças que sobejavam pelos cantos, sobre a mesa, sobre os armários. A falta de perspectiva de mudança pesava-lhe sobre os ombros já cansados da jornada.
Na semana em que a primavera se iniciaria, o universo lhe ofereceu uma rosa. Amarela como o Sol, como o brilho da esperança que entra pela janela nas manhãs de um dia bom. Não esperava pela rosa: há muito tempo, tinha aprendido a não esperar por nada.
Levou a rosa para casa. Sequer um vaso bonito tinha para alojá-la. Lançou mão de uma garrafinha plástica descartável, aquelas de água mineral, e encheu-a com a água da torneira. Dentro dela, colocou a longa haste da rosa e deixou o vaso improvisado sobre a pia da cozinha.
Todas as vezes que se levantava do sofá, o amarelo da rosa lhe chamava a atenção — e ela sorria. Era um ponto de cor onde tudo antes era cinza. Já não via mais a bagunça que se espalhava pela casa, não via o mofo nas paredes úmidas, não via a tinta que não tardaria a descascar. Tudo o que ela via era um prenúncio de vida, a cor da beleza bem diante de seus olhos.
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É preciso tão pouco para ser feliz. É preciso pouco para esquecer os problemas do dia, os boletos deixados na caixa de correio, as dores nas costas de quem precisa trabalhar por mais horas do que o corpo é capaz de aguentar para conseguir o mínimo de dignidade que o assalariado dinheiro pode comprar. É preciso colocar luz na vida onde moram as escuridões. É preciso um pedacinho de beleza em meio ao grotesco e ao rude do cotidiano. Uma pequena rosa amarela, em botão, que dia após dia abria suas pétalas e deixava seu olor pelo ar era tudo o que ela precisava para fugir de todo o resto. Sabia que a rosa não tardaria a começar a murchar, que as pétalas uma hora cairiam, uma a uma, e tudo teria um fim.
Não lhe importava mais o calendário: ali, naquele vaso improvisado sobre a pia da cozinha, a vida primaverou.