Tom é o gato-siamês que mora na minha casa. Foi encontrado na rua, num 16 de novembro que não emendou o feriado. Quando meu marido o trouxe para mim, dentro do porta-malas do carro, eu achei que fosse um cachorro. Tom não miava: ele latia. Também, pobre coitado, foi encontrado próximo a uma escola, e meu marido, na tentativa de livrar-lhe da maldade das crianças (e não me venha dizer que Rousseau tinha razão), aprisionou o bichinho provisoriamente na mala do carro. Saiu de lá para os meus braços, mas ganhou meu coração.
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Na noite de quinta-feira, aquele frio que fazia, um gato cinza apareceu na casa da sogra. Com a ideia de não deixá-lo no ar gélido, meu marido colocou-o no carro e levou-o para casa. Totalmente diferente do Tom, o gato cinza sentou-se no banco do carona e, quietinho, deixou-se levar.
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Eu não estava em casa. Meu marido abriu a porta, levando o gato cinza no colo, cuidando para que Tom não fugisse. Cumprimentou Tom (sim, ele é tratado com grande dignidade e estabelece conosco uma comunicação surpreendente, respondendo com miados aos diálogos) e foi em direção ao pote de comida. Completou-o com ração e deixou uma colherada de patê — luxo que Tom tem duas ou três vezes por dia. Nesse instante, o gato cinza miou. Tom percebeu que meu marido tinha outro gato. A reação foi imediata: encarnou nele um capiroto, o pelo se eriçou e os miados começaram a ecoar pela casa, enquanto as unhas tentavam se cravar nas pernas do marido. Tom ficou sentido. Sentiu-se traído, jogado a segundo plano. O primeiro impulso foi agredir aquele que ele sentia tê-lo traído — mesmo que não fosse uma traição de verdade. Meu marido deu um jeito de mandar o gato cinza porta afora, enquanto os miados de Tom continuavam a ecoar pela casa — a minha, a dos vizinhos próximos, a da esquina. Recebi o áudio, e seus miados-quase-latidos ainda retumbam em meus tímpanos.
Na vida, há quem seja o Tom. Há quem tenha ciúme excessivo, há quem não compreenda que a chegada do outro pode somar-se à sua. Há quem encare mudanças como ato de traição, que deveria ser punido com a morte — ou, pelo menos, com algumas unhadas e mordidas. Há quem rejeite o outro sem sequer dar-lhe uma chance de se fazer conhecer. Por favor, não seja esse gato.
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