A tela do computador me encara de volta. Vazia. Toda linha em branco é uma oportunidade nova de criação, onde tudo é possível. Mas nada se encaixa, nada quer sair pelas pontas dos meus dedos que digitam, digitam, mas desconhecem o mapa e os caminhos do fim deste texto.

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Ainda esses dias, era Dia do Escritor, esse ser esquisito com pretensões de profissão. Difícil quem viva apenas desse árduo ofício neste país que muito pouco valoriza a cultura. Difícil buscar um lugar ao Sol, difícil perder horas e horas em frente a essa mesma tela em branco que me olha desconfiada. Estou atrasada, eu sei. Este texto deveria ter sido entregue ao editor ainda pela manhã, mas já passou o lanche que eu promovi a almoço e meu computador me olha com escárnio. Debochado.

Ser escritor é sangrar no papel as dores que me transbordam a alma. As minhas e as de quem me lê — afinal, na hora que o sentimento ganha a tinta que o transcreve, torna-se imortal, imaterial, impessoal, mas ao mesmo tempo atual, palpável e personalíssimo. Mas não encontro qual sentimento, exatamente, deixar vazar pelas letras — será que a musa me deixou na mão e só vai voltar quando bem entender, a seu bel-prazer?

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Há uma fileira de personagens aqui do meu lado, me encarando, à espera de pontos e vírgulas que narrem suas exclamações e interrogações. Eles me pressionam: sabem que enquanto essa crônica não estiver finalizada, suas histórias estão suspensas no tempo e no espaço. Eles dependem de mim, como filhos pequenos dependem da mãe.

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Há um relógio na parede, com expressão dura como só o tempo pode ter. Implacável. Graças a Deus, não é um cuco, senão, a cada sei lá quantos minutos, o passarinho zombaria de mim, piando ¿Pressa! Pressa! Pressa!¿ Os ponteiros me afligem, os segundos escorrem pelo ralo do desperdício e o texto continua a me olhar, a folha em branco continua vazia, o desespero continua a fervilhar dentro de mim como sal de frutas em água gelada.Maldita mania de deixar tudo para a última hora! Será que todo escritor é assim, ou a má gestão do tempo é exclusividade minha? Tantas ideias me explodem por dentro, mas nenhuma delas daria conta de todos os 2.300 caracteres a que tenho direito neste espaço no jornal. Semana que vem eu me organizo com calma. Prometo!Do canto da sala, os personagens de 1994 mantêm um sorrisinho de deboche no rosto. Retiro a promessa: vou tentar.