Se eu fosse criança…Se eu fosse criança, diria que estou cansada de brincar de escolinha. Pela primeira vez na vida, tenho me deparado com problemas tão grandes na educação que ofuscam a luz no fim do túnel e me fazem questionar todas as certezas. Estou em sala de aula desde os 15 anos, quando ainda era estudante de magistério e meus alunos pertenciam ao jardim de infância. Sempre fui aquela professora que chega à escola pela manhã, cantando e sorrindo, pronta para vencer qualquer desafio que se mostrasse em meu caminho. Mas, hoje, o silêncio impera dentro de mim, líquido como o mundo de Bauman, preenchendo todos os cantos e frestas expostos. Mais do que o barulho das crianças e adolescentes, o silêncio me incomoda.Se eu fosse criança, diria que, hoje, eu queria brincar de casinha. Abrir as cortinas da casa de boneca, fazer comidinha, varrer, limpar, lavar. Deixaria o Sol entrar e acaba com qualquer vestígio de sombras, com o calor evaporando qualquer resquício de umidade e tristeza. E olha: tirando a parte de cozinhar, eu nunca fui do tipo que ama o serviço doméstico – muito pelo contrário: faço porque precisa ser feito (e olhe lá). Mas brincar de escolinha anda tirando meu sono.As leis mudam tão rápido, mas não me parecem querer ajudar os estudantes – quem dirá os professores! As mudanças que vêm por aí, na minha visão, vão aumentar ainda mais a já gigantesca distância que separa a educação pública da privada. Em nome da famigerada recuperação paralela que pouco (ou nada) recupera, perdem-se aulas de explicação e motiva-se os alunos a não manterem hábitos de estudo. Como se não bastasse, a sala dos professores, muitas vezes, é um ambiente hostil, com pouca gente disposta a se ajudar e muita gente experiente na arte de puxar tapetes.Uma pena que estejamos vivendo cenas profetizadas por George Orwell em suas distopias. A novilíngua (ou ¿novafala¿, dependendo da versão lida) se faz presente e a educação deseduca, a ética profissional se torna antiética (quando não se faz uma ¿contraética¿ ), aqueles que deveriam formar estão desinformando. O mundo evolui e a escola caminha para trás – com passos de formiga e sem vontade.Se eu fosse criança, diria que não quero mais estudar – ou melhor, não quero mais ir à escola. Não quero perder um tempo precioso que poderia ser usado aprendendo com estratégias falhas e sem perspectivas de melhora. Mas amanhã será um novo dia.
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