Há um ninho no madeirame da minha garagem. Eu não o vi sendo construído, perdi o espetáculo da mãe natureza – e da mãe passarinha – construindo, galho por galho, a manjedoura que abrigaria a gênese de uma nova vida. Foi assim, num estalar de dedos e num abrir de olhos, que eu acordei numa manhã de sol e o ninho estava lá, prontinho.

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Meu gato, à janela, com olhos vidrados e posição de predador à espreita, já devia ter notado a movimentação passarinhesca muito antes de mim. Mas, com essa correria do dia a dia, com um milhão e meio de textos implorando, dentro da minha cabeça, para serem escritos, a vida real às vezes me escapa.

Passei a observar o ninho com curiosidade. Dia após dia, mamãe passarinha retornava no fim da tarde, quando a temperatura insistia em cair junto com a luz do Sol, para se debruçar sobre o ovo e esperar que o tempo fizesse seu papel.

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Até o dia em que ela voltou e eu vi o biquinho pequeno e escancarado, implorando por alimento. Mas não foi somente esse ato instintivo que capturou meu olhar. À passarinha, juntou-se um pássaro da mesma espécie, um pouco maior que ela, que eu deduzi ser o pai. Ali, no madeirame da minha garagem, vi nascer uma versão diminuta e selvagem da célula da sociedade: uma família.

Eu não fazia ideia de que pássaros machos acompanhavam as fêmeas na função de fazer o bebê passarinho crescer e evoluir. Não sei, ainda, se isso é um fenômeno dessa espécie específica – um casal de rolinhas – ou se é comum a todos os pássaros. Também desconheço se esse é um comportamento natural e silvestre ou se passou a existir apenas entre os pássaros urbanos. O caso é que, ali, diante dos meus olhos, vi papai e mamãe criando um filho até que ele tivesse condições de bater as asas e voar livre pelo mundo.

O que anda acontecendo com o ser humano? Como um casal de pássaros consegue mostrar mais humanidade que um casal de gente? Há mães que abandonam seus bebês, há pais que abandonam suas famílias, há filhos saindo pelo mundo sem estarem prontos para enfrentar os voos e os predadores, que são tantos. Há vidas sendo construídas tortas, há valores se perdendo pela caminhada.

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De dentro de casa, por detrás das grades da janela, eu vejo um ninho vazio. Dentro de casa, eu me engaiolo por vontade própria, enquanto observo pássaros que me parecem mais humanos que seres humanos.