Papel higiênico é um símbolo de status social. Nunca, na vida, achei que ouviria isso dito, assim, com todas as letras em alto e bom tom. Mas o cara na rádio, num “merchan” muito mal disfarçado, declarou que ostentar um papel higiênico macio, fofinho e branquinho pode representar seu sucesso pessoal e profissional. Fiquei imaginando as pessoas passando pelos carrinhos de supermercado dos outros e pensando: “Aquele ali usa papel higiênico pardo, é um fracassado! Esse aqui, não. Deve ter alcançado o ápice da sua carreira. Olha só o papel que ele comprou.”
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No mesmo programa, outra pérola me fez pensar: “Nós percebemos a evolução da conta bancária de alguém pelo preço do vinho que ele compra.” Lembrei-me da minha própria adolescência, quando juntávamos uns trocados para um vinho barato e uma Coca-Cola de dois litros. Com poucos reais, fazíamos porta-aberta para beber até a hora de ir embora, felizes com a partilha. Não sei quanto aos outros, mas eu não sou consumidora de vinhos caros. Isso reflete alguma coisa sobre a minha conta bancária ou sobre o meu sucesso profissional?
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Todos os dias, pessoas ostentam realidades vazias. São telefones que custam vários salários mínimos, calçados e bolsas que custam o valor de um celular, jantares gourmets que custam o salário de um operário… E os sorrisos encantadores, como a vida de pessoas que conseguiram alcançar o sucesso de ter em seus banheiros um papel higiênico de altíssima qualidade e um vinho de muitos reais.
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Já faz anos que abandonei a televisão e ando me perguntando se não deveria abandonar, também, o rádio e a internet. Não quero meus padrões estipulados por coisas que não me são caras. Eu não vibro com a blusa de seda exclusivíssima da última coleção que me custam os olhos da cara (e quem sabe mais quais outros olhos poderiam custar), nem com compras cuja nota fiscal exibe dezenas de dígitos. Eu vibro com a leitura de um grande clássico, com a descoberta de obviedades que me abrem os olhos para a filosofia, com a criação de mundos imaginários e personagens com cara de gente real, com angústias e dores reais. Eu quero a vida real, sem ninguém me julgando pela minha roupa, pelo meu papel higiênico ou o vinho na minha cesta de mercado. Quero uma vida sem status, sem amarras, sem rótulos e sem ostentação. Se o inferno está nos outros, o céu está na liberdade de não ligar para eles.