Puxe uma ou duas malas de cima do guarda-roupa, Ana, e coloque nelas tudo o que há de precioso. Eu sei que não vai caber tudo o que você tem, mas você pode viver sem algumas dessas coisas, ou pode voltar mais tarde para buscar o que deixou. Quer dizer, nem tudo. Algumas coisas precisam ser deixadas para trás definitivamente. Com as malas cheias em mãos, tome seu filho no colo e vá, Ana, sem olhar para trás.
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Eu sei que você tinha boas intenções quando decidiu ficar. Eu sei que a sociedade cobra de nós, mulheres, que sejamos o ponto forte de união de uma família, que sejamos a cola que junta todos os pedaços, que sejamos o travesseiro que guarda todas as lágrimas choradas na penumbra da madrugada sem que ninguém perceba, na manhã seguinte, toda a tristeza que ali foi expurgada. Mas nem sempre é possível fazer o que esperam de nós. Nem sempre vale a pena.Eu sei que a gota d¿água foi a mão levantada que lhe acertou a face esquerda, deixando marcas da sua descrença nesse amor que adoeceu. Você tentou, eu sei, foi à delegacia, prestou queixa, passou uns dias na casa da sua mãe. Mas, em nome do sagrado, em nome da criação do seu filho (que, pobrezinho, cresceria sem um pai ao lado), acabou voltando para a casa que lhe encarava desconfiada. A casa fora sua testemunha, Ana, e o olhar desconfiado não era ela quem lhe dirigia: era você a ela.
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Todos os dias, ele lhe dispara farpas doloridas, que você insiste em acreditar que são apenas palavras. Mas elas machucam, desmerecem seus méritos, desestabilizam sua estrutura, enfraquecem sua crença em si mesma. Sua opinião nunca serve. Você está sempre errada. Não é inteligente o suficiente, está envelhecendo e emburrecendo. O que será daqui para frente? Precisa calar a boca enquanto ele assiste ao jornal, ao futebol, ao programa de comédia que desmerece as mulheres seminuas no palco. Em nome da família, você ficou, Ana, mas em nome do seu filho e do seu bem-estar, precisa ir embora. O que seu menino está aprendendo com o pai? Que é assim que se trata uma mulher? Que os homens são superiores e podem desmerecer suas companheiras à vontade, porque elas não têm coragem de ir embora, porque precisam deles para viver? E mais, Ana, o que seu filho está aprendendo com você, que fica aí, sofrendo calada e retribuindo tudo com amor e gentilezas?
Vá embora, Ana, por favor. Antes que seja tarde demais.
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