Joinville amanheceu chovendo, não que isso seja novidade. A chuva é um dos apelidos da cidade, quase um codinome, uma marca registrada. O céu, em nuvens baixas de tão pesadas, trazia tons frios — tristes, como todas as cores frias. Havia uma melancolia no ar, daquelas que existem nos dias que não querem amanhecer. Mas amanhecer é preciso, mesmo numa sexta-feira chuvosa.
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Amanheceram, também, todos os sonhos da menina. Acordada, muito mais que o dia lá fora. Amanheceu sua esperança, verde como as folhas da primavera, mesmo que fosse outono, mesmo que já se pudesse sentir o cheiro do inverno a coçar devagarzinho a ponta do nariz. Contrariando qualquer escritor romântico, a natureza não reforçava nenhum dos sentimentos que, dentro dela, brincavam de roda e entoavam cantigas de tempos que ela não chegou a conhecer.
O País chorava. A ética e a esperança estavam pelas últimas, internadas e desenganadas pelos especialistas. Mas a menina não tinha olhos para as trevas: ela toda era luz. Talvez a chuva quisesse lavar a sujeira dos últimos fatos, talvez os céus chorassem as dores de uma nação desgostosa, talvez a preguiça desse dia cinza estivesse de acordo com a população nacional, que se perguntava por que trabalhar tanto, para produzir dinheiro que engorda corruptos devoradores de direitos. Mas não com a menina: era era energia, uma faísca acesa que a chuva não podia apagar.
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Encontrou-se com um colega na rua. Olhou-lhe nos olhos, segurou-lhe a mão com firmeza: a fagulha que nela brilhava insistiu em passar, também, para ele e logo se alastrou. Agora, eram dois a iluminar as penumbras do dia que não queria despertar.
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Duas pequenas luzes inundaram-se em meio ao cinza, amarelando e aquecendo aquele dia frio. A cada nova pessoa que encontravam, uma nova faísca se acendia. Havia quem não quisesse a luz, havia quem insistisse na umidade e na escuridão. Mas onde há luz não há penumbra que resista. Em pouco tempo, de um em um, o calor obrigou o dia a amanhecer, a luz obrigou os olhos semifechados a se abrirem, a vida começou a retomar seu curso.
A chuva continuava lá fora, mas os fantasmas dos dias atuais se obrigaram a procurar frestas e gretas para se esconder. Que essa luz que a menina não deixou se extinguir possa continuar se espalhando, que a esperança, mesmo que pequena e solitária, possa ser espalhada de um por um. Há dias de chuva, mas a bonança sempre retorna.