Arte: Gilmar Fraga

Relacionar futebol e sexo é dificílimo. É a parte mais obscura do futebol, que não é tratada prioritariamente, que não é tida como condição de existência. Aparece sempre de forma subalterna e secundária.

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Às vezes, demolidora.

Por exemplo, sexo e bebida. Solteiros, atletas, jogadores incluem a bebida quase como elemento integrante da relação sexual, muitas vezes com a mesma intensidade da relação – até mais. Um pouco de bebida e muito sexo, é ótimo. Muita bebida e algum sexo, péssimo.

Além disso, o bom senso sempre disse que fazer sexo no dia do jogo não convém porque é uma descarga de energia que corresponde, por vezes, a uma corrida bem intensa. Desgaste físico bem significativo, apesar da grande satisfação.

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Colocam-se duas alternativas: ou se contratam pessoas para que esse sexo seja vigiado, sob controle e em segurança, ou se estabelece uma relação diferenciada, qual seja, quando famílias, namoradas e amantes são mantidas próximas e em contato com os jogadores durante a Copa. De um jeito ou outro, há controle. Toda a questão do sexo no futebol é questão do controle. Para não beber demais. Para não dormir pouco. Para não se desgastar fisicamente.

Ainda mais obscura é a homossexualidade no futebol. Ela, que começa a ser aceita como uma das tantas manifestações do homem em busca de sua felicidade e de sua satisfação. No caso do futebol, há um elemento moral. Um homem que gosta de homens, como vai conviver na comunidade futebolística que é de vestiário, que é de banho comum, de quartos compartilhados e assim por diante? Aí está uma dificuldade que tem de ser resolvida com muita civilidade, com muita grandeza. Uma grandeza que nem sempre, ou quase nunca, se percebe.

No geral, nem se fala disso. Conheço jogadores que são homossexuais, e eles são extremamente discretos. Por quê? Porque toda manifestação que eles tiverem – passear de mão dada com o namorado, por exemplo – será verdadeiramente escandalosa no sentido pejorativo e moral dessa questão. Para evitar isso, se coíbem, se reduzem. É quando o sexo acaba trabalhando negativamente – e isso é um problema. O futebol não tem essa grandeza, esse jogo de cintura. O que se terá é uma forma negativa de relação, ou o deboche, ou a provocação, ou a rejeição.

Em um estádio, as principais ofensas da torcida passam pela acusação de homossexualismo. O modo grosseiro de ver o futebol tem traços machistas, violentos, homofóbicos. O que você quiser atribuir de ruim, de desagradável e de pesado a um comportamento coletivo, a torcida tem. Há torcidas que são melhores que isso, e que necessariamente estão se encaminhando para uma compreensão maior das coisas, e aí, tão somente aí, a questão da homossexualidade possa aparecer com dignidade. Mas só aí, porque senão ele sempre será acusado de ser uma pessoa fora do padrão comum, corriqueiro da sociedade.

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Não vejo solução a curto prazo porque os clubes são muito mal apetrechados para trabalhar com isso. Os clubes de futebol, ou ao menos aqueles que têm uma visão administrativa melhor, estão garimpando jogadores cada vez mais jovens e trazendo-os para sua reserva de domínio, para que estejam protegidos e se desenvolvam naturalmente, e estão se deparando com esse fenômeno. Um menino revelando uma tendência homossexual é compatível com o futebol?

Eu diria que, num nível alto, é. Mas, nesse início? Se esta relação não for bem organizada, acompanhando o desenvolvimento e o surgimento dos conflitos de perto, é receita para o fracasso. Mas isso se dá em raros clubes, em um ou outro setor, longe de ser a regra. O que acontece geralmente é que essa circunstância passa despercebida, para ser notada só mais adiante. Ou é reprimida. Com prejuízos psicológicos imensos, e que não são avaliados. Talvez porque o futebol seja simples, seja corriqueiro. O futebol se joga, e pronto. A habilitação de jogar futebol é muito simples. Não é como pensar. Pensar implica coisas dificílimas, afastar-se do cotidiano que compulsivamente nos leva a fazer coisas e tentar repensar o que está acontecendo. Isso é pensar.

No futebol, não é assim. Não se pensa, se joga.