Uma Copa do Mundo é um acontecimento de extraordinária significação. Não se age com naturalidade, mesmo em um país que já se conheça. Durante um Mundial, você fica concentrado em um fato – a cada instante, ele te exige. Não tem jeito. Isso caracteriza uma experiência contraditória: por um lado, lá é o lugar onde você mais gostaria de estar, porque é uma Copa, você está ligado a ela, tem relações profissionais e pessoais com isso; por outro lado, a Copa determina uma exclusividade que contraria tudo o que você normalmente faz quando vai para outro lugar. Por isso, é necessário reconquistar esse espaço pessoal. Por exemplo: hotel da concentração brasileira. É um ambiente de trabalho, todos os jornalistas trabalhando. Você tem de cair fora disso. Saia do hotel, vá para o bar da frente – você está se colocando de alguma forma fora da Copa do Mundo, mas usufruindo de uma coisa que ela também oferece.

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Cada sede de Copa, no entanto, exige que se descubra o caminho próprio dela. Coreia do Sul e Japão são mais silenciosos que nós. É um modo bem particular de ser alegre. Eles têm alarido, eles têm manifestações, eles têm até gritos, mas tudo isso basicamente como parte de um silêncio, pautados por uma espera, por um tipo de escolha. Eles se concentram na realidade. Eu até considero que a fatia que eles cortam da realidade é uma lâmina muito fria, mas é o modo como eles veem. E é como reabilitam essas relações.

O México é muito alegre, muito animado, um país de cantorias. Na medida em que os mexicanos são alegres, soltos e manifestam-se continuamente, isso acaba como que lastreando as relações. Você que é brasileiro, e tem tendência a ser espontâneo, você não consegue acompanhá-los – eles são mais espontâneos que nós. E a Itália é muito parlante. As palavras, sobretudo. A cada instante, um discurso. Isso cria um ambiente interessante, porque as pessoas são muito exultantes. Já a Espanha é mais comedida. Não sei se pela forte influência das touradas, mas a verdade é que eles são mais comedidos. Têm manifestações fortes, mas se recolhem depois. Ao contrário dos mexicanos, que seguem manifestando-se.

A eficiência dos alemães é imbatível. Você nem chegava a perceber a alta organização deles – tudo era tão bem planejado, que você achava que aquilo era a verdadeira natureza das coisas. A Copa nos EUA marcou a primeira vez em que o marketing foi explorado de forma extraordinária. Em consequência, era um grande investimento, uma jornada capitalista clássica. Tudo muito bem organizado, muito bem estabelecido, tudo estava no seu lugar, tudo tinha funcionalidade para fazer dinheiro. Os franceses têm um traço fascinante: são extremamente elegantes nas relações. Mesmo no dia a dia, na conversação, você percebe que são pessoas maduras, que têm uma relação compreensiva da realidade e que expressam isso, e de certa forma, embora não digam por que são elegantes, exigem isso de você.

De minha parte, procuro me entrosar com as pessoas e não me distinguir, seja me colocando à frente delas ou propondo um confronto. Isso me evitou grosserias quase inevitáveis tendo em vista que se vai para lugares que você não tem nenhum controle – imaginem os padrões de referência de que se dispõe para comportar-se na Coreia de forma adequada. É o bom senso. É preciso se colocar como um secundário, nunca como um principal. E, então, o lugar se aproxima de ti, e tu, dele.

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