A Espanha, vitoriosa na África do Sul, foi campeã anotando apenas oito gols em toda a competição. Na Copa de 2006, um zagueiro, o italiano Fabio Cannavaro, foi eleito o melhor jogador do torneio. Desde 1998, a média de gols nos Mundiais tem decrescido. Sintomas de que o futebol perdeu a inspiração, de que sumiram os craques e os goleadores, de que os técnicos abdicaram de atacar?

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O futebol começou como uma procura da bola, duas populações inteiras correndo atrás de uma pelota. Era divertido, mas, na medida em que se percebeu que isso não levava a nada, decidiu-se organizar o jogo. Foram os ingleses que chegaram à formulação básica do futebol: um goleiro, zagueiros, meio-campistas e atacantes. Tudo isso era uma mudança em relação ao futebol primitivo, buscava-se o equilíbrio, uma melhor distribuição dos jogadores em campo. Hoje, estamos chegando a uma espécie de aperfeiçoamento desta mudança. Em qualquer lugar onde aconteça um jogo de futebol, é possível perceber esquema de marcação e de saída de bola, velocidade, interrupção da jogada, premissas básicas de um futebol contemporâneo. É uma situação em que todos se aplicam a uma resposta tanto defensiva quanto ofensiva na mesma intensidade. Todos estão decididos a proteger-se e a atacar. Ninguém mais simplesmente ataca. Isso não existe. Na verdade, quem se atreve a fazer isso leva goleadas, passa vergonha, vexames.

No futebol antigo, a gente imaginava que o melhor sempre se impunha, que a vitória do craque era inevitável. Agora, não: um time modesto, se bem aplicado taticamente, ocupando bem os espaços, pode enfrentar um adversário mais qualificado e até surpreendê-lo. Isso anima alguns a afirmarem que o futebol, em particular o praticado nas Copas, está regredindo ou diminuindo, mas foi o próprio futebol que tornou extremamente exigente a questão do jogo. Hoje, há grandes goleiros, há grandes zagueiros, há grandes jogadores de meio-campo. Tudo isso são impedimentos de uma realização plena, satisfatória do mais bem preparado. Não existe mais o melhor dotado – existe o melhor organizado.

Mas na arquibancada está o torcedor, um sujeito nostálgico. Ele é necessariamente alguém que pensa para trás, que lembra, que tem as referências do futebol na cabeça a cada instante. Quando o torcedor olha para o campo e percebe que os jogadores não estão dando dribles, que estão trocando passes mas não estão sendo brilhantes, ele entende que aquele futebol do passado morreu, desapareceu. É verdade. Mas melhor dito é que o futebol continua evoluindo.

A Seleção atual de Felipão, por exemplo, é baseada nesse princípio fundamental de equilíbrio. Você tem de ter energia defensiva, ocupação do espaço, iniciativa defensiva e, aí, ao recuperar a bola, você vai atacar. Uma seleção assim é consistente, e o futebol que ela vai revelar para a apreciação dos observadores é um pouco diferente, mas ele aparece, ele existe, e a cada instante você está demarcando onde ele está.

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Essa transformação tem de ser compreendida não como uma perda, mas como um ganho, porque era impossível seguir praticando o futebol romântico que a gente teve tanto prazer em ver e apreciar. Hoje, não há romantismo. O que há mesmo é um “dramatismo”.