Para combater efeitos colaterais de anabolizantes e suplementos, os obcecados pelo corpo perfeito tomam até remédios para câncer feminino. Entre as mulheres, a moda é o chip de hormônios. Nem os efeitos colaterais são capazes de desencorajar os mais obcecados. Ao contrário. Para combater os desagradáveis (e perigosos) efeitos colaterais do uso indiscriminado de anabolizantes e suplementos, os ‘marombeiros’ adotam atitudes cada vez mais arriscadas, associando outros remédios às ‘bombas’. Alguns, que preferem se manter anônimos, revelaram que se automedicam com hormônios femininos e, até, com remédios usados no combate ao câncer de mama.

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Muitos consumidores assíduos de estimulantes, como a efedrina, também fazem uso diário de aspirina para afinar o sangue, que fica espesso devido à substância, cujo uso em suplementos é proibido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A popularidade de tais associações é tão grande que a indústria já oferta compostos prontos, como o ECA, um coquetel de efedrina, cafeína e aspirina, vendido ilegalmente no país. Especialistas consideram a prática criminosa, se recomendada por profissionais de saúde, e irracional, se adotada por conta própria.

– É um absurdo total – sentencia Ruy Lyra, presidente da Federação Latino-Americana de Endocrinologia.

Ele ressalta que o uso de anabolizantes com testosterona e GH (um tipo de hormônio do crescimento) já traz riscos, porque sobrecarrega rins e fígado, além de desencadear problemas cardíacos. Com a associação de hormônios femininos, o quadro tende a se agravar. Para Jomar Souza, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina do Exercício e do Esporte, a combinação de remédios – chamada na gíria marombeira de terapia pós-ciclo (depois da aplicação das bombas) – é uma prática que beira a insanidade.

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– Esse pessoal precisa de aconselhamento médico, psicológico e psiquiátrico.

Gerente de Medicamentos e Correlatos da Divisão de Vigilância Sanitária do Distrito Federal, a farmacêutica Luciana Zanetti faz coro às advertências. Ela ressalta que é comum aparecer, entre os produtos apreendidos pela fiscalização, remédios que são usados de forma associada, como aspirina e hipertensivos.

– Para esses, não há muito o que fazer, porque, geralmente, são medicamentos de uso autorizado. Mas o estrago para quem utiliza pode ser muito grande. O consumo de um item puxa o outro, que demanda outro. No fim, a pessoa está tomando um coquetel – diz.

Até a aparentemente inofensiva aspirina – muito usada de forma contínua por quem tem problemas no coração – pode ser mortal. O ácido acetilsalicílico, que é o princípio ativo de remédio, altera o processo de coagulação.

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– Se a pessoa que está usando essa substância sofre um acidente ou precisa fazer uma cirurgia de última hora, pode morrer em consequência de uma hemorragia – exemplifica.

Enquanto falta discernimento entre muitos dos consumidores de produtos associados à atividade física, sobram receitas para combater os efeitos colaterais das substâncias. Basta uma busca na internet para encontrar sites que vendem óleos como protetores hepáticos que, supostamente, minimizam o impacto dos esteroides no fígado. Um deles chega a ser apresentado como ‘o único protetor hepático comprovado no uso de anabólicos’, segundo texto de apresentação do site anabolizantesonline.

Médicos e especialistas não têm divergências sobre o tema: suplementos devem ser usados com orientação profissional.

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– Excesso de aminoácido dá problema renal. Carboidrato provoca picos de glicose, levando o pâncreas a produzir insulina. Chega uma hora que ele pode se cansar e, aí, vem o risco de diabetes. Não são produtos vilões, mas precisam ser bem utilizados – destaca Luciana Zanetti.

A creatina e a proteína, completa Jomar Souza, são metabolizadas pelo fígado e pelos rins.

– Em casos de sobrecarga, pode haver até necessidade de diálise – alerta o especialista.

CASO DO CANTOR DE AXÉ NETINHO GANHOU REPERCUSSÃO NACIONAL

A suspeita de uso de anabolizantes pelo cantor de axé Netinho ganhou repercussão nacional no domingo passado quando o programa Fantástico relatou o drama do cantor na UTI, onde esteve entre a vida e a morte. Netinho já apresenta melhoras, mas a reportagem mostrou também que foram encontradas várias receitas de médicos de fora da Bahia prescrevendo a ele medicamentos para estimular o crescimento muscular, como hormônios anabolizantes.

– Várias substâncias que são utilizadas para a fisicultura. E eventualmente algumas que são utilizadas também supostamente para reverter ou deter o envelhecimento – analisa o médico Jorge Bastos, ouvido pelo programa.

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De acordo com o cardiologista especializado em medicina do esporte Artur Haddad Herdy, da clínica Cardiosport, de Florianópolis, há muitos médicos que não são sérios e prescrevem anabolizantes e outros medicamentos controlados, pois há muito dinheiro envolvido nisso.

– Os esteroides são derivados sintéticos do hormônio masculino testosterona e possuem vários usos clínicos, como estimular o crescimento e a restauração de tecidos em idosos e debilitados. Mas o seu uso indiscriminado traz graves problemas de saúde, por causar um grande desequilíbrio hormonal no organismo. Há aumento de força e de massa a curto prazo, mas ocorre o aumento do volume do coração, em muitos casos impotência sexual e até ginecomastia, que é o crescimento de seios em homens – alerta.

O cardiologista classifica em três grupos distintos os consumidores destes ‘aditivos’ à dieta alimentar que, se bem balanceada, já deveria contemplar tudo o que o organismo precisa em termos de nutrientes. Do mais arriscado para o que apresenta menos risco, temos os esteroides anabolizantes, os estimulantes e os suplementos alimentares.

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O estimulante mais famoso é a efedrina, substância proibida tanto no Brasil pela Anvisa, quanto nos Estados Unidos para uso como suplementação. Ela é definida como uma amina simpaticomimética similar aos derivados sintéticos da anfetamina, muito utilizada em medicamentos para emagrecer, pois faz com que o metabolismo acelere. Por causar uma forte dependência, a droga foi proibida para este uso.

Há pouco tempo a efedrina era comumente encontrada na composição de termogênicos (queimadores de gordura), porém, foi substituída por outros componentes, já que seu uso continuado causava complicações como perda de apetite, insônia, alucinações, tremores, alterações de humor, tontura, vertigem, taquicardia, hipertensão e até levar à morte.

– A efedrina atua no sistema nervoso central de forma similar à cocaína, eleva os batimentos cardíacos, a pressão arterial e pode causar arritmia. Podemos encontrar esta substância facilmente nas farmácias na forma de fármacos como o Franol® e o Marax®. A Anvisa liberou a venda para usuários com receita médica, porém sabemos que não é bem assim que funciona – denuncia Herdy.

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Na avaliação do médico do esporte, com a proibição da efedrina, houve migração dos usuários para suplementos com grande quantidade de cafeína, também estimulantes. Nesta categoria dos suplementos alimentares estão os produtos que apresentam menor risco de uso, e que são largamente difundidos. Eles são feitos em sua maioria com base em proteínas e aminoácidos. Um desses compostos que causou grande polêmica foi a creatina, que teve sua proibição determinada pela Anvisa em 2005, mas seu uso foi liberado em 2010 por não haverem estudos conclusivos sobre seus efeitos adversos. Composta por três aminoácidos (arginina, glicina e metionina) é produzida naturalmente pelo nosso organismo para fornecer a energia necessária aos músculos.

A creatina é produzida pelo fígado e, em seguida, levada pelo sangue para as células musculares, onde fica armazenada para ser ‘queimada’ durante a atividade física. É inegável que torna a musculatura mais resistente, por isso ela é tão popular, especialmente entre corredores, ciclistas e nadadores. Os seus adeptos defendem o uso na forma de suplementação, pois para conseguir a dose média diária recomendada (4g) é preciso consumir 1Kg de carne vermelha. Mesmo com a liberação da venda, a Anvisa não recomenda o uso desses suplementos por praticantes de exercícios físicos para recreação, estética e promoção da saúde, apenas para atletas de alto rendimento.

O campo dos suplementos alimentares é muito farto, e os produtos têm nomes bem sugestivos como Mega Men, Mega Mass 4000 e Women’s Ultra Mega. Dentre os compostos mais vendidos, o posto de número um vai para o whey protein, que é um concentrado de proteína do soro do leite. Também é muito popular a albumina, hiperproteico que contém todos os aminoácidos essenciais. Os concentrados de cafeína ganham destaque, como o Therma Pro Hardcore, feito com extrato de guaraná sendo um potente termogênico.

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Há os produtos chamados de última geração, como o Mega Pack NO3 Nitro Shock. Ele contém arginina e óxido nítrico, e age como um hemodilatador, aumentando a passagem de sangue pelas veias e consequentemente a força. É um tipo de ‘potência’ similar à causada pelo citrato de sildenafil, o princípio ativo do Viagra®, que amplia a ação vasodilatadora do óxido nítrico no pênis.

– São muitas coisas novas, muitas vezes não controladas pelo FDA (Food and Drug Administration, órgão regulador norte-americano). O pessoal está consumindo sem sequer saber se há algum efeito colateral – conclui Artur Herdy.

Marco Túlio Brüning | Diário Catarinense

É FÁCIL SAIR POR AÍ E COMPRAR ANABOLIZANTES?

USO DE MEDICAMENTOS DE USO VETERINÁRIO É PRÁTICA COMUM

Foto: Ricardo Jaeger/Agência RBS

*Por Marco Túlio Brüning

Para descobrir se conseguir esteroides anabolizantes é assim mesmo tão fácil como parece, saí numa missão pela cidade determinado a voltar para casa com ao menos uma ampolinha no bolso. Fiz uma listinha com 10 medicamentos oferecidos em um site na internet e rumei para uma pequena farmácia perto de casa, anexa a um posto de gasolina no bairro. Como estava vazia, cheguei para o balconista e fui logo passando a listinha e perguntando:

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– Oi, tem como eu comprar algum desses?

Ele olhou atentamente, não estava surpreso, e me disse que eram medicamentos controlados, teria que voltar com receita. Em seguida apontou para um balcão com suplementos alimentares e me sugeriu que levasse algum deles. Uma tentativa, uma falha.

Renitente, segui para outra drogaria, um pouco maior, localizada numa das principais avenidas de um bairro chique das redondezas, próxima a um Shopping. Resolvi mudar um pouco a abordagem, em vez de apresentar a listinha fui puxando conversa e dizendo que estava na academia mas não havia surtido nenhum resultado, que gostaria de experimentar o tal do ‘hormônio do crescimento’. A resposta não foi animadora:

– Olha seu moço, a gente tem sim, mas só vende com prescrição médica. Não acho que o senhor precise disso não. Mas pra tirar as suas dúvidas, recomendo que vá até aquela lojinha de suplementos esportivos que fica do lado da academia antes do trevo, sabe?

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Sim, eu sabia. Já era uma pista. Fiz a volta e segui para a tal ‘lojinha’. Realmente o lugar não era grande, quase claustrofóbico eu diria. Em todas as paredes, potes e mais potes dos mais diversos tipos de aditivos para marombeiros. O atendente, um estudante de nutrição bem fortinho, foi muito prestativo. Puxei a listinha do bolso e disse que precisava de uma ‘forcinha’. Ele foi claro:

– Não vai conseguir aqui em Florianópolis não, a fiscalização está muito forte. Se procurar bem em Palhoça ou São José talvez encontre. Isso aí tá quase tudo proibido!

Não me dei por vencido. Pedi para ele marcar um por um qual a indicação do medicamento, que isso talvez fosse facilitar minha busca. E tamanha foi a minha surpresa quando ele marcou ao lado do primeiro da lista, Parabolan®: ‘hormônio de uso animal’. No segundo, Clembuterol®, idem. Assustado, perguntei:

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– Compra na casa agropecuária?

– Isso. Tem que conseguir uma receita com um veterinário. Ou comprar no Paraná, lá tem de monte. Os fisiculturistas acabam ganhando nos concursos que participam.

Dianabol Russa®, Primobolan®, Winstrol®, esses são hormônios de uso humano, indicados para restauração de tecidos em debilitados. E segue:

– Anavar® é mais fácil, dá para mandar manipular. Esse é tranquilo. E o Hemogenin® dá pra tentar nas farmácias, ele é usado no tratamento de anemias ocasionadas pela produção deficitária de glóbulos vermelhos. É um esteroide bastante androgênico. O Duratestoland® também encontra em drogarias, tem muitos homens que realmente precisam. Meu pai precisa, mas tá sempre em falta tamanha a demanda. Faz o seguinte, vai no camelódromo e pede pelo Winstrol® que vai dar certo.

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Segui o conselho e rumei para o Centro. Entrei no recinto com cara de quem não quer nada, sem saber por onde começar. Parei na frente de um quiosque de cosméticos e bebidas, achei que dava samba. A moça logo veio me perguntar se poderia me ajudar. Respondi:

– Sim, eu estou procurando um ‘suplemento’, o Winstrol®. Você sabe como encontrar?

Ela me disse que ali não tinha, mas que do outro lado teria em uma das lojas. Ela foi me guiando e logo encontrou um rapazote no corredor principal. Pediu que eu falasse com ele. Me aproveitei da minha forma um tanto quanto rechonchuda e fui soltando o verbo:

– Eu tô malhando mas os resultados são muito lentos, e eu quero dar uma secada nas gorduras, uma encorpada nos braços e tórax. Meu instrutor me disse pra tomar Winstrol®, tem como arrumar?

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– Ih, isso aí é anabolizante, a gente não tem não. Difícil de achar esse negócio viu?

Não fui embora, fiquei ali como quem quer negociar mais. Perguntei se dava resultado, se tinha como encomendar… mas ganhei outra negativa, um ‘tá em falta’ que não esclarece se vai chegar. Ele prosseguiu:

– Seguinte, vai ali na rua Tenente Silveira, tem uma lojinha, pergunta pro Eduardo…

Aí desisti, entreguei os pontos sem obter sucesso. Voltei pra casa, liguei o notebook, abri o navegador e aí me lembrei: pra tudo tem internet hoje em dia!