Ana Lidia Borba compete em diversos esportes praticamente desde que se entende por gente: começou a nadar ainda criança, e, a partir dos 8 anos de idade, já passou a competir como federada; atividade que manteve até os 20 anos. Nesse intervalo de tempo, durante um período, também jogou pólo aquático. No final da faculdade de engenharia, por falta de tempo, acabou deixando o esporte de lado; mas a mente, acostumada à prática de atividades físicas, cobrou: Ana teve uma crise de stress e foi parar no hospital; e ouviu do médico a recomendação de que o esporte poderia ajudar a relaxar. Voltou aos treinos, desta vez praticando corrida.

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– Foi um técnico da academia onde eu treinava que me incentivou a fazer triathlon, já que eu estava correndo e já nadava – ela conta, sobre seu passo seguinte como atleta. – Fiz meu primeiro triathlon uns três meses depois, por diversão, e acabei curtindo muito a modalidade. Fiquei um ano fazendo triathlon como amadora, e em 2006 comecei a participar de provas mais longas. Fui campeã do Iron Man 70.3 Brasil, e depois do campeonato mundial do Iron Man 70.3. Vi que tinha futuro e me profissionalizei a partir de 2007. Me aposentei no final de 2016; e no ano passado decidi voltar a participar de provas. Estava sentindo falta disso. Foi quando coloquei um desafio para mim mesma: participar da Haute Route.

A Haute Route é a maior prova amadora de ciclismo do mundo; e, em 2021, acontece pela primeira vez na América do Sul – a competição estava agendada para setembro de 2020, mas foi adiada em função da pandemia de coronavírus. O cenário da prova será Santa Catarina; passando por ícones do turismo no Estado, como a Serra do Rio do Rastro, o Morro da Igreja e a Ponte Hercílio Luz. O evento vai de 26 a 28 de março.

O foco esportivo de Ana Lidia, portanto, mudou novamente: agora, a atleta está 100% dedicada ao ciclismo. Com a vinda da Haute Route ao Brasil, ela se tornou embaixadora global do evento e ajudou a desenvolver o percurso; além de, em novembro do ano passado, ter participado de um evento-teste.

Com a pandemia e todas as mudanças que vieram com ela, Ana Lidia precisou adaptar também a rotina de treinos – com uma ajuda da tecnologia. Por meio da plataforma online Zwift, e com o auxílio de um rolo de treinamento (equipamento que vai acoplado à bicicleta e permite aos ciclistas pedalar sem sair do lugar), tem treinado online; ao lado de atletas do mundo inteiro.

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– É como se fosse um videogame; só que, em vez de um controle, você usa a própria bicicleta – ela explica. – A plataforma simula percursos: tem percursos fictícios e percursos reais; inspirados em cidades ou campeonatos existentes. Ela simula vários aspectos da vida real; como a carga maior numa subida, a carga menor numa descida, o vácuo, que é o benefício de pedalar atrás de alguém. Pessoas do mundo todo se conectam à plataforma, então você consegue interagir por ali.

– Essa plataforma demorou a engrenar no Brasil porque a gente tem tempo bom quase o ano todo – Ana Lidia comenta. – Geralmente esse tipo de plataforma, e equipamentos como o próprio rolo, são muito úteis em países onde há invernos rigorosos e tempo ruim durante grande parte do ano. Mas, quando a pandemia chegou, as pessoas se deram conta do valor e da necessidade de treinar indoor. Foi um movimento super acelerado: ferramentas que ajudam os atletas a treinar com mais qualidade em casa se esgotaram rapidamente nas lojas.

“Minha meta é fazer com que a edição brasileira seja o evento Haute Route com maior participação feminina no mundo”, declara Ana Lidia (Foto: Romulo Cruz)

Ao lado da equipe da Haute Route, e para manter o ânimo dos atletas inscritos na prova, Ana Lidia, que também é educadora física, passou a fazer três encontros semanais por meio do Zwift; um deles exclusivo para mulheres. E essa dedicação exclusiva ao público feminino em um dos encontros não é por acaso.

– Minha meta é fazer com que a edição brasileira seja o evento Haute Route com maior participação feminina no mundo – declara a atleta. – A média, lá fora, é de 18%, 19% de participação feminina; é muito baixa. Eu estou trabalhando com uma meta de 25%. Não aceito menos que isso. (risos) A Haute Route não é uma competição do tipo “vamos ver quem chega primeiro”: a meta é participar, chegar, e curtir tanto a prova quanto o próprio processo de preparação. Com o adiamento do evento, nós estamos tendo mais tempo de mostrar para as mulheres que elas têm condições de se preparar adequadamente e participar da prova.

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Para alcançar o objetivo, Ana Lídia também está trabalhando em outras frentes: de 30 de outubro a 2 de novembro, ela, ao lado da também ex-triatleta profissional Mariana Andrade, realiza o primeiro training camp exclusivo para mulheres na Serra do Rio do Rastro; e diz que a demanda por inscrições vem sendo alta.

– Também criamos um grupo de trabalho, de pesquisa, para entender o que eventualmente pode estar impedindo mulheres já ligadas ao ciclismo de participar da prova: donas de lojas de bicicletas, donas de assessorias esportivas, donas de escolas de bike, treinadoras, ciclistas… – ela enumera. – O que poderia fazer essas mulheres se sentirem mais seguras para participar do evento? Queremos descobrir o que pode estar sendo uma barreira para as mulheres, e remover essas barreiras.

– A participação das mulheres na maioria dos esportes ainda é relativamente pequena; tirando a corrida de rua, que hoje já é praticamente meio a meio no Brasil – lamenta Ana Lidia. – Muito disso é formação: as mulheres normalmente não são criadas para disputar, para participar de esportes competitivos. Outro fato que faz diferença é que a mídia tradicional mostra menos os esportes femininos. Com isso as meninas não tem exemplos: é difícil elas terem ídolos no meio esportivo. Queremos contribuir para mudar esse cenário.