O médico Pedro Lucas Porcela Aurélio, de 66 anos, encontrou um fóssil que pode pertencer a espécie de Gondwanax paraisensis, que seria um dos precursores mais antigos dos dinossauros. Com aproximadamente 237 milhões de anos, esse é um dos fósseis mais antigos da linhagem já descobertos no Brasil, de acordo com o paleontólogo Rodrigo Temp Müller, da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), a quem o médico entregou os achados em janeiro deste ano. Analisando o material, Müller conduziu um estudo que foi publicado no periódico científico Gondwana Research, e passou a ser divulgado nesta segunda-feira (14).
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— Os detalhes do esqueleto fossilizado sugerem que o material pertence a um animal
da linhagem dos dinossauros, podendo ser um dinossauro propriamente dito ou um parente
muito próximo — explica o paleontólogo.
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O médico, que se considera um “entusiasta da paleontologia”, encontrou o fóssil em um sítio fossilífero chamado de “Linha Várzea 2”, situado no município de Paraíso do Sul, no Rio Grande do Sul, em 2014. Antes de doá-lo neste ano à universidade, ele o manteve na própria casa, em Cachoeira do Sul, junto com outros materiais que encontrava em saídas de campo que fazia em busca de fósseis.
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— Há muitos anos eu já monitorava esse local e fazia coletas. Elas eram direcionadas para a Universidade Federal de Santa Maria. Alguns fósseis eu fui colocando na minha própria casa e guardando-os para futuros estudos, porque era uma época onde se encontrava muito material — conta Aurélio.
Ele diz, também, que contribuiu para o salvamento de muitos fósseis em afloramentos (exposição de uma rocha na superfície da Terra) no Rio Grande do Sul.
— Eu procurava “salvar esse fósseis” porque muitas vezes os afloramentos desapareciam porque as pessoas mudavam o terreno, construíam casas em cima ou eram transformados em lavouras. Às vezes, os afloramentos também enfrentavam problemas da natureza, como enxurradas, e acabavam desaparecendo. Então, eu fazia uma espécie de salvamento desses fósseis para que pudessem, em um tempo posterior, serem estudados e classificados — relembra.
Coletas viraram “hobby” de médico
Aurélio faz as coletas como um “hobby” desde 1998, enquanto fazia a residência médica em Nefrologia na UFSM.
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— Naquela época, não tinha um núcleo de paleontologia em Santa Maria. Levou uns dois ou três anos, se eu não me engano, para ser criado o primeiro núcleo — recorda ele, que ainda atua como médico.
Após a abertura do núcleo, pelo professor Átila Da-Rosa, o médico criou um vínculo com ele, que está na direção do Laboratório de Estratigrafia e Paleobiologia (Lep) até hoje.
— Eu passei a fornecer fósseis para ele [o professor], e atuava junto com outros colegas que eram amadores também que me ajudavam. Nós salvamos muito material para estudo. O que está sendo divulgado hoje é uma mínima parcela daquilo que já foi coletado e que está armazenado na universidade — afirma.
O fascínio por fósseis está presente na vida de Aurélio desde a infância.
— Como eu tenho 66 anos, a minha infância se transcorreu na década de 60. E eram poucas as publicações que nós tínhamos sobre fósseis ou dinossauros. Naquela época, raramente aparecia alguma publicação em jornal sobre esse assunto. Era um assunto mais fechado, ficando mais no âmbito das universidades, e pouquíssimas pessoas se dedicavam a esse estudo. Mas mesmo assim, o que me chegava em mãos, me fascinava — relembra Aurélio com carinho da paixão antiga.
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Quando ele entrou na faculdade de medicina, em 1978, passou a acompanhar alunos de Biologia nas saídas de campo, onde visitavam uma afloramento que tinha em Santa Maria: o Monumento Natural Paleontológico Sanga da Alemoa, que Aurélio se recorda como “afloramento da alemoa”.
Desde que iniciou as saídas, sozinho ou em grupo, o médico utiliza, principalmente, uma chave de fenda como instrumento de trabalho.
— O material que eu uso para a coleta dos fósseis é um material bem simples. Inclusive, o pessoal brinca comigo. Eles dizem: “nós desconhecíamos esse instrumento de trabalho”. Mas a chave de fenda tem diversos calibres e eu gosto muito de usá-la porque ela é delicada e consegue fazer uma exploração da rocha perfeita — conta.
No entanto, isso depende do tipo de rocha. Em uma mais “grosseira”, por exemplo, os profissionais precisam utilizar picareta e pá de corte, enquanto nas mais delicadas até materiais odontológicos são utilizados, conforme Aurélio.
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Gondwanax paraisensis: nome faz homenagem ao município no RS
Após a entrega dos fósseis à universidade, o paleontólogo Rodrigo Temp Müller levou os materiais para o laboratório e iniciou um minucioso trabalho de preparação, com uso de ácido e marteletes pneumáticos. De acordo com o pesquisador, o fóssil do animal encontrado pelo médico, que pode pertencer ao Gondwanax paraisensis, teria atingido cerca de um metro de comprimento, pesando entre três e seis quilos e, possivelmente, se sustentando em quatro patas e andando em terra.
— Já que não foram recuperados dentes ou outros elementos cranianos, não foi possível inferir seus hábitos alimentares. Ainda assim, a maioria dos animais relacionados a ele foram herbívoros ou onívoros, o que torna bastante provável que ele também tivesse esse tipo de dieta — diz o profissional.
Quanto ao nome, “Gondwanax” significa “lorde do Gondwana”, referindo-se ao futuro domínio que os dinossauros exerceriam na porção de terra conhecida como Gondwana (região Sul do Supercontinente Pangeia). Já “paraisensis” é uma homenagem ao município de Paraíso do Sul.
Quando o médico Aurélio o encontrou, há dez anos, não fazia ideia do potencial de estudo do fóssil.
— Quando eu encontrei esse fóssil, que foi divulgado agora, eu não sabia o que eu tinha em mãos, porque eu não tenho um conhecimento aprofundado da paleontologia. Eu sou um amador e um autodidata, procurei sempre manter uma boa bibliografia, ler muito sobre paleontologia, mas não tinha a capacidade de fazer um estudo detalhado do fóssil — diz.
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O fóssil encontrado pode ter sido um percursor muito próximo dos dinossauros, mas também um dinossauro “verdadeiro”, dizem alguns pesquisadores.
— Alguns pesquisadores acreditam que esses animais podem ter sido precursores muito próximos dos dinossauros, enquanto outros sugerem que, em vez de precursores, eles eram dinossauros verdadeiros. Esse conflito de hipóteses ocorre justamente porque os “silesaurídeos” apresentam características típicas de dinossauros, mas também possuem algumas que ainda parecem bastante primitivas — esclarece.
Os fósseis de precursores de dinossauros mais antigos ainda são muito raros, segundo Müller. Por isso, compreender como foram poderá ajudar a entender quais as características que foram cruciais para o sucesso evolutivo.
— Essa descoberta se deve ao profundo entusiasmo do Sr. Pedro Aurélio, pela prospecção e seu amor pelos fósseis. Foi ele quem percebeu algo diferente no solo e teve o cuidado de recolher esse material, doando-o ao nosso centro de pesquisa — agradece o paleontólogo.
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Os restos do Gondwanax paraisensis, assim como uma série de outros fósseis, estão depositados no Centro de Apoio à Pesquisa Paleontológica da Universidade Federal de Santa Maria (CAPPA/UFSM).
Veja como seria a espécie
*Sob supervisão de Luana Amorim
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