O trabalho de fiscalização ambiental em Florianópolis é marcado por medo e atentados contra servidores. Relatos vieram à tona após a investigação de um caso de pagamento de propina para liberação de obras na Capital. A Polícia Civil investiga o esquema, revelado por um vídeo onde um construtor faz um pagamento de R$ 50 mil a um ex-servidor que, na época, ocupava função gratificada de chefe do departamento de fiscalização ambiental.
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Um servidor do setor de fiscalização, que preferiu não se identificar, revelou à NSC TV que existia um clima hostil, marcado por ameaças e atentados dos construtores contra os fiscais.
Ele explica que existe uma demanda grande de serviços. A função do fiscal, segundo ele, é o cumprimento da lei, mas quem define a obra que vai ser embargada ou demolida, por exemplo, são cargos de chefia, ocupados pelos investigados na operação.
Os “três poderes” da propina em Florianópolis: “quem aprovava, assinava e demolia”
Ele relembra três casos em que fiscais tiveram os carros vandalizados, com os quatro pneus furados. Em outros, servidores tiveram a casa alvejada por tiros.
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— O fiscal age da forma mais correta possível, dentro da lei —, afirma. — Existe uma tensão, um receio, é uma atividade de risco —, complementa. O pedido para não ser identificado partiu de, segundo ele, o medo de sofrer uma represália.
Esquema envolvia servidores em cargos comissionados
Segundo a Associação de Servidores de Urbanismo e Meio Ambiente de Florianópolis (Asuma), não há envolvimento de servidores de carreira do quadro funcional da Fundação Municipal do Meio Ambiente de Florianópolis (Floram) no esquema.
“Dos quatro servidores mencionados na investigação, o único servidor efetivo é Felipe Pereira, porém ele não é, nem nunca foi fiscal da Floram”, diz a nota. A associação afirma ainda que não compete aos fiscais procedimentos como o de demolição dos imóveis, e o agendamento destas ações é de competência dos cargos de chefia – como o dos investigados.
“Esperamos que este escândalo force uma mudança real em toda estrutura urbanística e ambiental da cidade”, conclui a o texto.
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“Informalidade gigantesca”
Para Paulo Antônio Locatelli, subprocurador-geral de justiça para assuntos institucionais do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC), a informalidade das construções em Florianópolis é preocupante, dada a biomorfologia da Capital, por ser uma ilha.
— Existe uma informalidade gigantesca, e esse é um problema de várias cidades brasileiras —, afirma.
Para ele, essas irregularidades podem até colocar em risco pessoas que comprar estes imóveis, por exemplo, construídos em áreas de risco.
— A grande questão da informalidade e da corrupção é que ela nos afasta dos direitos fundamentais, o acesso à dignidade e à cidadania —, afirma. Para o subprocurador, ainda há entidades que lutam contra cenas como a do pagamento de propina para liberação de obras, que ele define como corrupção ativa. —O que a gente precisa é da parceria dos empreendedores, se há corrupção ativa, há corrupção passiva. Esse interesse em burlar a legislação precisa acabar, de ambos os lados. Isso vai só corromper não só o funcionalismo público mas todo o desenvolvimento de uma cidade.
Pagamento de propina tinha “três poderes”
O esquema, revelado em um vídeo gravado no ano passado, envolvia o pagamento para liberação de obras em Florianópolis, e seria liderado a partir de uma sala na prefeitura conforme contou um construtor, que aceitou pagar o dinheiro ilícito. O relato foi feito à Polícia Civil.
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Na sala, ele teria sido recebido por três servidores comissionados, que ocupavam cargos no alto escalão da Secretaria de Habitação e Desenvolvimento Urbano (SMDU), que se denominariam os “três poderes” da extorsão.
São Rodrigo Djarma Assunção, agora ex-secretário-adjunto da SMDU; Fernando Berthier da Silva, que era assessor jurídico da pasta; e Nei João da Silva, que à época era diretor de fiscalização da secretaria, mas em maio deste ano se tornou diretor de tecnologia e inovação do Detran (cargo também comissionado e que já não ocupa). Nei foi identificado pela polícia como o chefe do suposto esquema.
Em relato à polícia, o construtor afirmou que um sócio teve a construção demolida por, supostamente, não aceitar fazer o pagamento ao grupo. Ele estava no “QG” do esquema com este sócio.
Antes de entrar na sala, eles teriam sido obrigados a deixar os celulares numa gaveta no corredor de acesso.
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O trio teria dito, então, “que ali estariam os três poderes: quem aprovava, quem assinava e quem demolia”. O secretário-adjunto seria quem aprovava a demolição de quem não se submetesse ao esquema; o assessor jurídico assinaria a autorização; e o chefe da fiscalização executaria a ordem.
As informações estão num despacho da Justiça ao qual o NSC Total teve acesso. O documento ordenou a primeira prisão contra o esquema, realizada na última sexta: a do servidor Felipe Pereira. Ele é o servidor que aparece num vídeo recebendo R$ 50 mil em dinheiro. Nas mesmas imagens, quem entrega a propina é o construtor que relatou às autoridades a suposta reunião na sala da prefeitura.
À NSC TV, o delegado-geral, Ulisses Gabriel, reiterou o possível envolvimento de um núcleo político para além do servidor de carreira já preso até aqui. Segundo o delegado, o esquema poderia movimentar, por mês, cerca de R$ 2 milhões.
A prefeitura de Florianópolis ainda tem atualmente aberto um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) para apurar as condutas de Felipe Pereira e Nei João da Silva.
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O que dizem os envolvidos
Sobre o suposto comando do esquema de dentro de uma sala da prefeitura, o prefeito Topázio Neto (PSD) afirmou, em entrevista à CBN, que “nunca tinha ouvido falar disso”. Ele ainda afirmou que todos os processos de paralisação de obras, desde o início de 2022, devem ser revistos pela Controladoria do município.
Em posicionamento anterior, a prefeitura afirmou que o prefeito se reuniu com o delegado-geral da Polícia Civil e deve afastar todos os envolvidos no suposto esquema. Em outra ocasião, a gestão Topázio Neto (PSD) ainda destacou haver um núcleo anticorrupção dentro da prefeitura formado em dezembro do ano passado, operado em conjunto com a Polícia Civil catarinense.
O advogado Eduardo Herculano Vieira de Souza, que atua na defesa de Felipe Pereira, afirma que “compete à Polícia Civil explicar os motivos de omissão e da ausência de diligências para com os demais investigados, que mesmo incluídos no bojo do Inquérito Policial, não foram alvos de medidas invasivas e estão sendo ‘promovidos’ de investigados à meras testemunhas dos fatos”. Reforçou ainda que “acredita nas instituições e será através delas que se provará a verdade, com o respeito ao contraditório, ampla defesa e, mais, em respeito ao devido processo legal”.
Já a defesa de Nei João da Silva afirmou que ele “é inocente, vamos contribuir para com as autoridades”. “Importante frisar que a notícia dada às autoridades tem viés de outra natureza, que será esclarecido até o final da instrução processual”, ainda escreveu o advogado André Kinchescki ao NSC Total.
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A reportagem ainda tenta contato com o advogado Fernando Berthier da Silva, o ex-secretário-adjunto Rodrigo Djarma Assunção e o ex-gerente Francisco Carlos da Cunha.
Berthier comunicou, em manifestação anterior ao colunista do NSC Total Ânderson Silva, que recebeu com surpresa os fatos relativos a ele, que tratou como inverídicos. Disse ainda refutá-los integralmente.
“Afirmo com tranquilidade que no desempenho da função de assessor jurídico na Prefeitura, sempre emiti pareceres opinativos, destituído da autonomia de decidir, e, sobretudo, firmados nos moldes da legislação pertinente. Destaco que me coloco à disposição para contribuir com rigor para a investigação no que me for cabível. Por fim, serão tomadas as medidas legais cabíveis contra quem falsamente e baseado em interesses escusos imputou-me tal fato sem qualquer prova”, escreveu, em nota.
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