Sabe aquele branco que dá na memória quando você quer lembrar algo que pensou minutos antes e não consegue? Dizem que isso piorar com a idade, não é? Nada disso. Problemas de memória não são normais ou decorrentes da velhice. Na verdade são pequenas inflamações no cérebro causadas por outros problemas de saúde, como depressão, diabetes, sedentarismo, tabagismo e alimentação desequilibrada. É isso mesmo. Muita gente não associa a memória com os cuidados básicos de saúde, com a qualidade de vida, mas eles estão diretamente interligados.
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E os números preocupam. Segundo dados do censo de 2010 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 1,5 milhão de pessoas idosas têm demência no Brasil e cerca de 900 mil são portadoras da Doença de Alzheimer, a mais comum entre estas doenças. Isso significa que em cada 14 idosos, um é diagnosticado com uma doença que atinge o sistema cognitivo.
Dona Luiza Degering Marcelino, de 78 anos, descobriu o Alzheimer e o Parkinson há quatro anos. A família percebeu alguns sintomas como esquecimento, confusão mental, nervosismo, isolamento social e tremedeiras, mas o diagnóstico levou, pelo menos, dois anos. A filha de Luiza, Maria Helena Marcelino Rosa, 49, conta que os médicos dos postos de saúde onde a mãe costumava consultar diziam que ela tinha depressão e receitavam alguns medicamentos, mas que não tinham bom resultado.
— Primeiro a gente não sabia o que ela tinha. Eu trabalhava em uma escola e fiquei sabendo do ambulatório da memória, que tinha bons médicos. Trouxemos ela para consultar aqui e, um mês antes do meu pai falecer, ela foi diagnosticada — conta.
O Ambulatório da Memória funciona na policlínica do Centro de Palhoça, em parceria com o Sistema Único de Saúde (SUS) e a Universidade do Sul de Santa Catarina (Unisul). O ambulatório é composto por professores e estudantes de medicina que fazem internato médico. Em cinco anos de funcionamento, já atendeu cerca de 600 pessoas.
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— Agora, depois de diagnosticada e com a medicação e tratamento corretos, a doença estabilizou, melhorou muito a vida dela e de toda a família — revela Maria Helena.
Assim também foi com seu Osmar Ferreira Brasil, 65, que sofre de depressão desde a adolescência e hoje também tem Alzheimer e o Parkinson. Durante quase toda a vida, ele precisou tomar remédios para problemas nos nervos, como diziam os médicos.
— Ele já foi a vários médicos, fez tratamentos em Foz do Iguaçu, em Curitiba, até com choque elétrico, sempre falavam que era esgotamento de nervos, os médicos não entendiam a gente — conta a esposa, dona Maria Pereira Arcanjo Brasil, 60.
Após passar por diversos postos de saúde, eles conheceram o Ambulatório da Memória e há mais de três anos as doenças de seu Osmar estão estabilizadas. A família já não sofre tanto com os sintomas.
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— Eu só não posso ficar sem tomar os remédios, se esquecer ataca o problema, eu fico meio recuado, me dá vontade de ficar só pelos cantos, não posso ficar no meio de muita gente. É algo que vem de uma hora pra outra. Eu também tenho problema muito sério de esquecimento, às vezes estou olhando pra uma coisa e se pensar em outra, já esqueço o que ia fazer — conta Osmar.
— Ele melhorou bastante depois que começou a se tratar aqui. Ele consulta geralmente uma vez por mês, mas isso varia conforme a evolução dele. Além de consultar com outros médicos, faz teste de memória — completa dona Maria.
Modelo inglês
O Ambulatório da Memória foi trazido para o Brasil pelo médico geriatra e professor do curso de medicina da Unisul, André Junqueira Xavier em 2012, após concluir um pós-doutorado na Inglaterra e conhecer o modelo lá. Desde então, o município de Palhoça realiza testes de memória para toda a população. Se algo for diagnosticado, o paciente é encaminhado para o tratamento, feito também no ambulatório com o acompanhamento de médicos de diversas especialidades: ortopedia, nutrição, geriatria, psicologia, entre outras.
— A intenção é descobrir antes que a pessoa adoeça, tomar todas as medidas necessárias para evitar, mas, se isso não for possível, tratar e tentar recuperar a qualidade de vida da pessoa e da família — explica Xavier.
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O primeiro passo é o diagnóstico. Segundo o médico, cada paciente faz cinco testes de memória no primeiro atendimento. Se algo for detectado, a pessoa realiza exames clínicos de sangue e de imagem para ver se há inflamações no cérebro e outras doenças que podem estar diretamente ligadas à memória. Por último, o paciente é encaminhado para o tratamento, desde a receita de medicamentos adequados até terapias cognitivas.
— Não adianta fazer só o tratamento medicamentoso se a pessoa não muda os hábitos de vida, não vai fazer efeito. As pessoas acreditam muito no medicamentoso e estão totalmente descontroladas do outro lado. Tem que fazer a coisa global: medicamento correto e mexer nos hábitos de vida — alerta o médico.
Um dos tratamentos é feito na Oficina da Lembrança, no ambulatório do curso de fisioterapia da Unisul, no bairro Pedra Branca, também em Palhoça, que trabalha com a reabilitação cognitiva. Lá, o paciente, geralmente em casos avançados de demência, realiza exercícios cognitivos em computadores, faz atividade física e encontros em grupos para avaliar a evolução do seu quadro de saúde.
De acordo com Xavier, em muitos casos, a doença é estabilizada, ou seja, para de avançar, e, em outros pode ser revertida.
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— Existe casos em que a pessoa está tão machucada que não se consegue fazer ela voltar a ter uma memória que foi destruída, mas se consegue, no mínimo, estabilizar a doença, fazer ela voltar a participar da família.
O que são e como previnir
As demências são doenças que afetam o sistema cognitivo, causam incapacidade e dependência de cuidados nos casos mais avançados. Atinge, em sua maioria, pessoas idosas. O Alzheimer é o mais conhecido e que incide em 60% dos casos de demência, mas existem outros tipos, como a demência vascular, por Corpos de Lewy, que tem a ver com a Doença de Parkinson, hidrocefalia, quando aumenta a pressão dentro do cérebro, entre outras.
Diversos fatores levam ao desenvolvimento dessas enfermidades e estão diretamente ligados aos hábitos de vida. Segundo Xavier, a depressão, o diabetes, medicamentos contínuos, péssima qualidade de sono, uma dieta rica em carboidrato e açucares, falta de exercícios físicos e mentais são um prato cheio para o desenvolvimento do problema.
— Esses vários fatores vão se somando e isso gera uma inflamação no cérebro, é uma inflamação levinha, mas a pessoa vai ficando inflamada ao longo dos anos e o cérebro vai perdendo função até o momento em que isso começa a comprometer o cognitivo. É neste momento que a família se assusta, descobre e leva ao médico para o diagnóstico. Mas se você for ver, a pessoa já apresentava sintomas há 20 anos e tinha muito tempo para não ter deixado avançar — explica.
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E não são apenas as pessoas mais velhas que sofrem com isso. Jovens com problemas de memória também precisam ficar atentos! A qualquer sinal, uma perda sútil de memória tem que ser investigada.
— Pode não ser nada, mas às vezes pode ser e já será uma ótima oportunidade de ver o que pode ser mudado na rotina de vida: se está dormindo pouco, está preocupado demais, se ganhou peso e não está fazendo exercício… São coisas que se acumulam por 20 e tantos anos e vai acabar dando problema mais tarde.
Cuidar do metabolismo é o primeiro passo para evitar as demências. Uma dica, segundo Xavier, é praticar exercício físico daqueles que fazem a pessoa suar e ficar sem fôlego. E não precisa ser muito, 20 minutinhos três vezes por semana são o suficiente. Outra atividade que faz queimar calorias é o exercício cerebral. Em uma pessoa de 80 quilos o cérebro gasta 25% de energia quando está concentrado estudando.
— A pessoa que estuda, estuda e estuda perde peso porque ela gasta caloria, ela queima energia. Isso também é necessário, assim como a atividade física, alimentação e outros hábitos saudáveis, tudo em conjunto — explica.
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Aprender um idioma novo, fazer faculdade ou um curso de algo que nunca fez, ler e, claro, não podemos esquecer das tradicionais palavras-cruzadas, tudo isso ajuda a manter a demência ainda mais longe.
SERVIÇO
O Ambulatório da Memória funciona na policlínica do Centro de Palhoça, na Rua Coronel Bernardino Machado, das 7h às 17h30min. Qualquer pessoa pode fazer o teste. É só marcar pessoalmente com documento de identidade e o cartão da Unisul (caso não tenha, ele é feito na hora). O teste é aberto a toda a população, de qualquer idade e cidade. Já para consultar com as especialidades é preciso ser morador de Palhoça. As consultas ocorrem às sextas-feiras, a partir das 8h. O acompanhamento e tratamento são direcionados a pessoas com mais de 50 anos.