Equipes de socorristas que atuam em Florianópolis têm sido submetidas ao trabalho com ambulâncias precárias, sem a devida higienização e com documentos atrasados. Há caso na capital catarinense em que um dos veículos de socorro deixou de funcionar por um problema na bateria, já relatado anteriormente por funcionários, quando deveria atender um paciente que havia sofrido uma parada cardíaca e acabou morrendo.
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A situação das ambulâncias de suporte básico foi relatada por socorristas à NSC TV, tendo sua condição de anonimato preservada. A reportagem foi ao ar no Jornal do Almoço nesta quarta-feira. Elas são parte da operação do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e estão sob responsabilidade da prefeitura — o Samu também tem ambulâncias de suporte avançado, mas que pertencem ao Estado.
A capital tem hoje quatro unidades de suporte básico, que partem de quartéis do Corpo de Bombeiros Militar de Santa Catarina (CBMSC) para atender casos em que o paciente tem risco de saúde desconhecido ou está consciente. Cada uma delas tem os equipamentos básicos para manter uma pessoa viva, além de levar um condutor socorrista e um profissional de enfermagem.
Há uma delas no Norte da Ilha, em Canasvieiras, outra no Sul, próximo ao acesso do Campeche, uma terceira na Trindade e a última no Continente, alocada no Estreito. As quatro ambulâncias cobrem toda a cidade, 24 horas por dia — ou, pelo menos, deveriam.
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Os veículos têm tido problemas recorrentes de manutenção e vão parar na oficina toda semana, até mais de uma vez em algumas ocasiões.
— Já teve momentos de ficar, das quatro viaturas, duas baixadas. [Temos que] atender só com duas viaturas, e a população precisando — disse um profissional à NSC TV.
A falta de veículos para cobrir devidamente a cidade acaba ainda atrasando o tempo para o atendimento, o que, para casos de socorro, faz toda a diferença.
— Se o Norte da ilha fica sem uma viatura, então vai ter que vir ambulância de outro lugar pra atender aquela região. Então tudo é tempo resposta. São 10, 15, 20, 30 minutos que a pessoa fica lá para ser atendida, esperando. Dependendo do grau da situação da ocorrência pode ser coisa pior, a pessoa pode vir a óbito, né? — afirmou outro socorrista à reportagem.
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Atraso no socorro
E isso já aconteceu. No livro de ocorrências do Samu de Florianópolis, há mensagem do último dia 26 de junho com a qual os profissionais relataram que a “viatura apresentou problema na bateria” e que a “coordenação está ciente.”
Quase um mês depois, em 20 de julho, houve novo alerta: “socorristas precisaram desligar a chave geral e apagar tudo para que a bateria não descarregasse”.
Ainda assim, a situação não foi resolvida pelo menos até o dia 28 de julho, quando uma equipe de plantão foi acionada para atender uma parada cardíaca. Os profissionais foram até a ambulância, mas o veículo não funcionou.
— No momento em que foi dar partida, a viatura estava com problema de bateria, um problema que já tinha sido relatado inúmeras vezes à Secretaria de Saúde. Inclusive foi dado até um laudo da bateria que estava ruim, de que precisava ser substituída na hora. Na época, não tinham recursos para fazer a substituição dessa bateria, então, volta e meia, ficava sem bateria, e tinha que fazer uma transferência de carga de uma viatura para outra, para fazer com que ela ligasse — relatou um profissional.
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— Nesse dia, a viatura não foi atender, e a parada cardíaca não foi revertida. O paciente veio a óbito, sem chance de ser atendido pelo Samu — emendou.
Não é possível confirmar que o paciente teria sobrevivido na ocasião se a viatura tivesse funcionado. Outras ambulâncias foram acionadas, mas não conseguiram reverter a situação.
— Foi outra viatura, né? Foi outra viatura para atender, foi a viatura dos Bombeiros, foi Arcanjo, foi a avançada do Samu, né? Mas é o tempo-resposta, né? São minutos que salvam uma vida, né? — disse outro socorrista.
Para o presidente do Conselho Regional de Enfermagem de Santa Catarina (Coren-SC), a manutenção correta é fundamental para que situações assim não voltem a acontecer.
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— Pessoas poderão perder as vidas se não tiver uma manutenção adequada dos viaturas. Não é aceitável isso, porque existe o recurso — afirmou Gelson Albuquerque à NSC TV.
Documento atrasado e higienização
Além das dificuldades com a manutenção, a reportagem identificou a circulação de pelo menos três viaturas com documentos atrasados.
Duas delas ainda têm um aviso de recall. No site da fabricante, há um aviso de que a manutenção, que é gratuita, ainda não foi feita. A empresa alerta para um problema na direção que “aumentaria o risco de acidentes com danos físicos de natureza grave, ou até mesmo fatais, aos ocupantes do veículo e/ou terceiros”.
Outra questão que preocupa os profissionais é quem faz a limpeza de equipamentos e das viaturas: são os próprios socorristas que têm feito isso. Hoje, pelo menos uma vez por semana, as equipes de socorro precisam parar o atendimento por duas horas para fazer uma higienização completa das ambulâncias.
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— A gente faz a limpeza e depois vai atender o paciente. Com a mesma roupa que a gente faz a limpeza, a gente sai para atender os outros pacientes. Então, todo o material químico e biológico que tem dentro da viatura, é a gente que limpa, a gente que faz a limpeza e depois a gente ainda sai para atender o paciente com essa roupa — disse um profissional.
De acordo com o Coren-SC, essa situação também é irregular. Uma decisão recente da Justiça Federal determinou que não é atribuição de profissionais de enfermagem fazer higienização não relacionada à assistência imediata do paciente.
— Um trabalhador do Samu vai até uma ocorrência, faz o atendimento, salva uma vida, essa pessoa é transportada para uma unidade hospitalar, lá é deixada para ter o atendimento hospitalar, e aí retorna para a base cansado, exausto, a partir de uma ação profissional que fez, e ainda é obrigado a lavar uma ambulância. Isso é uma vergonha — disse o presidente da entidade.
Outra preocupação é o destino da água usada na limpeza dos materiais. Ela tem ido para o esgoto normal. Segundo o protocolo do Ministério da Saúde, no entanto, esse descarte deve ser feito exclusivamente no coletor de lixo hospitalar adequado.
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Em quartel que aloca uma das ambulâncias, uma pia é usada para a limpeza dos equipamentos, parte deles sujos com sangue, uma prática considerada arriscada.
— Os materiais biológicos precisam ser adequadamente desprezados, não é simplesmente você colocar em uma pia e enviar isso para esgoto comum, porque precisa haver um tratamento, é uma contaminação — diz o infectologista Marcelo Otsuka.
O Corpo de Bombeiros informou que, para esse caso específico, a situação deve ser resolvida nos próximos 60 dias, já que um novo prédio está sendo construído ao lado e prevê uma área específica para a limpeza de equipamentos.
O CBMSC informou também que, em outros quartéis, existem essas salas e que elas estão disponíveis para os profissionais do Samu.
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O que diz a prefeitura
O coordenador dos serviços de Urgência e Emergência da Secretaria da Saúde de Florianópolis, Miguel Angelo Accetta, disse, à NSC TV, que não tinha conhecimento de todos os problemas enfrentados pelos profissionais das ambulâncias de suporte básico.
— Talvez tenha ocorrido uma fatalidade nesse momento por não ter ligado a ambulância. Agora, me surpreende a equipe talvez ter passado por essa situação sem perceber que isso poderia acontecer — disse Accetta.
— O que nós preconizamos sempre é que tenhamos todos as condições e equipamentos para que o trabalho seja desenvolvido de uma maneira ideal ou minimamente perto do ideal, para que não aconteça esse tipo de coisa — emendou.
Ainda sobre o caso em que a ambulância deixou de funcionar no momento do chamado, a reportagem questionou Accetta sobre o problema de bateria já ter sido relatado anteriormente pelos socorristas.
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— Então vou precisar ver isso com o setor de logística, confirmar com setor de logística, porque não chegou essa demanda até mim — afirmou.
Ele acrescentou que as ambulâncias são trocadas ao alcançarem 300 mil quilômetros rodados ou com cinco anos de utilização.
— É um critério do Ministério da Saúde. Eventualmente uma ambulância tem que baixar por conta de manutenção, obviamente. E aí a gente tenta colocar um backup.
— Dar o azar de duas ambulâncias estarem quebradas e precisarem ir para o conserto durante o mesmo dia é algo que pode acontecer, nada é garantido nesse serviço. É um serviço que trabalha sempre no limite — emendou o coordenador, que reconheceu, no entanto, que, em relação à limpeza, o procedimento é feito pela própria equipe.
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— Existe um calendário, chama-se limpeza terminal. Eles levam a ambulância até um local, depenam essa ambulância e realmente fazem essa limpeza geral da ambulância. E a limpeza concorrente que é a que é feita a cada utilização da ambulância, a cada atendimento. Então nós vamos ter que dar uma olhada na determinação nova e se adequar, ver alternativas para o serviço seguir — afirmou.
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