Nesta terça-feira, 1º, os alunos da Escola Bolshoi em Joinville viveram uma experiência diferente. Dentro da própria sala de aula, alguns dos adolescentes com maior potencial para a dança do país — selecionados pela instituição justamente pela capacidade intelectual, cognitiva e física — precisaram de apoio para realizar atividades comuns como caminhar de um lado para o outro. Como suporte, estavam as nove bailarinas da Cia. Ballet de Cegos de São Paulo. Elas ficaram responsáveis por guiar os estudantes enquanto estes, com vendas nos olhos, aprendiam na prática que todas as pessoas têm diferentes níveis de limitações e de habilidades.
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A ação ocorreu um dia depois da Cia. Ballet de Cegos apresentar seu espetáculo "Olhando para as Estrelas" no Shopping Mueller, encerrando a 4ª Semana Inclusiva em Santa Catarina. Durante toda a terça-feira, as bailarinas de São Paulo fizeram aulas com os alunos da Escola Bolshoi e também deram lições sobre inclusão, igualdade e superação. De manhã, elas dividiram as barras da sala de balé com as alunas do 3º ano de dança clássica e, exceto pela diferença de idade e as cores diferentes de uniforme, quase não diferenciavam-se das alunas da escola de Joinville.
— Cada menina tinha um par e essa interação foi um ponto crucial porque esse momento integrou o grupo e fez com que elas se sentissem mais confiantes. Depois que começaram a fazer a movimentação, eu percebi que elas se entregam de um jeito único e que todos os outros sentidos delas são ampliados. Isso fez com que elas se construíssem como bailarinas e alcançassem um nível de dança com o qual puderam acompanhar normalmente a aula — avaliou a professora Bruna Lorrenzetti, da Escola Bolshoi.
À tarde, as aulas ocorreram com a 6ª série, em uma vivência de dança contemporânea que iniciou com a experiência de vendas nos olhos nos alunos. Essa é uma ação que a Cia. Ballet de Cegos realiza em diferentes lugares do Brasil e do mundo, compartilhando conhecimento sob a responsabilidade de ser a única companhia de dança do mundo com bailarinos que não enxergam.
Grupo é referência mundial
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O projeto que levou à criação do grupo profissional nasceu há 25 anos em São Paulo, quando a fisioterapeuta Fernanda Bianchini tinha apenas 15 anos e recebeu um pedido para dar aulas de balé às alunas do Instituto de Cegos Padre Chico. Ainda que não tivesse formação profissional na área na época, ela assumiu o desafio e tornou-se voluntária. Alguns anos depois, já adulta, fundou a associação que oferece aulas de diferentes gêneros de dança para crianças a partir de três anos de idade, entre cegos, pessoas com limitações motoras, deficientes intelectuais e com síndrome de down. O projeto é referência para outras entidades e já foi levado para fazer apresentações em países como Alemanha, Estados Unidos Argentina e Inglaterra.
— Hoje eu vejo que todo esse trabalho era muito mais grandioso do que ensinar balé, é um projeto de transformação de vidas. Elas agora são sementes multiplicadoras de amor e de provas de que o ser humano pode ir além. Os alunos têm muitas melhoras: melhora física, de equilíbrio e de postura; e psicológicas, com autovalorização e sociabilização, por exemplo — avalia ela.

Fernanda desenvolveu uma metodologia que permitisse que, mesmo sem enxergar os movimentos e posições realizados pela professora, as alunas pudessem aprendê-los usando outros sentidos, como tato e audição. Elas tocam a professora para verificar a pose que está sendo executada e repeti-la, em um processo que, ainda que seja mais longo, tem o mesmo resultado que em qualquer outra sala de balé do mundo.
— Para aprender os saltos, nos deitamos no chão e fazemos os movimentos com as pernas para cima. Elas vão tocando e compreendendo a técnica — explica a professora de dança Juliana Bermudes.
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Foi ela quem propôs o intercâmbio entre a Cia. Ballet de Cegos e a Escola Bolshoi depois de tornar-se aluna dos cursos para professores que a instituição oferece.
— Eu quis mostrar aos alunos daqui, que estudam com foco em tornarem-se profissionais, que é possível dançar em qualquer lugar e que eles também podem levar essa arte para todas as pessoas. E, ao mesmo tempo, mostrar para as minhas bailarinas que elas podem fazer balé com qualquer grupo, que estão preparadas para isso – avalia Juliana.