Um dia depois de o dólar alcançar o maior valor desde 18 de maio de 2009, o governo decidiu entrar em ação. Revogou de uma só vez medida adotada há pouco mais de três meses para frear a valorização do real. Agora, atua em sentido contrário.

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Foi reduzido na quinta-feira de cinco para dois anos o prazo para que empréstimos feitos no Exterior fiquem livres do pagamento de Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Na prática, é uma forma de incentivar empresas e bancos a buscar dinheiro no Exterior, o que tende a irrigar a economia com mais dólares e frear os efeitos da alta da moeda, que já começam a chegar ao bolso do consumidor. Produtos que têm grande parte dos componentes importados ou cujos preços dependem de cotações internacionais já estão mais caros.

– Desde o ano passado, o governo vinha estimulando a valorização do dólar com o intuito de ajudar os exportadores. Agora, fica claro que a preocupação se inverteu: passou a ser frear a alta da moeda americana para evitar um aumento generalizado de preços – avalia Denílson Alencastro, economista-chefe da Geral Investimentos.

Algumas remarcações já começaram. Nos últimos 30 dias – desde que o dólar começou a subir com vigor -, preços de alimentos, computadores e notebooks avançaram até 15%. Outras categorias têm reajustes considerados inevitáveis, caso de vestuário, vinhos importados e itens de limpeza e perfumaria. Há ainda um grupo de itens que poderão ficar mais caros se a medida do governo não derrubar o dólar: eletrodomésticos e móveis.

– Quanto maior é a participação do dólar no custo de fabricação de um produto, mais rapidamente e em maior nível ocorrem os reajustes – afirma Atílio Manzoli Júnior, diretor da Manlec.

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Isso explica por que os eletroeletrônicos já estão mais caros no comércio. Com grande parte das peças trazidas de fora, esses equipamentos têm os preços rapidamente remarcados pelos fabricantes e repassados pelos lojistas. A mesma regra vale para os alimentos: aqueles que dependem de ingredientes trazidos de fora do Brasil acabam tendo o custo de fabricação mais alto.

Tome-se como exemplo o caso do pãozinho. Fabricado com farinha de trigo, com alta importação pelo país, o produto sofre a pressão do dólar duas vezes: pelo encarecimento do trigo em reais e pela cotação internacional que é regulada pela moeda americana. Nos últimos dias, esses fatores causaram uma elevação de 10% no preço do pão, e um efeito semelhante é esperado em outros derivados da farinha de trigo, como a massa.

Em um momento em que o consumo tem caído em razão do aumento do endividamento da população, parte dos reajustes tem sido evitada. Em alguns casos, fabricantes, importadores e comerciantes reduzem as margens de lucro e absorvem uma fatia do aumento de custos em vez de repassá-los integralmente ao consumidor. É o que se chama, na economia, de efeito elástico: as empresas sabem que, se aumentarem demais os preços, não conseguirão vender e, então, preferem evitar altas para ganhar menos.

Isso vem ocorrendo com itens de limpeza doméstica, higiene pessoal e perfumaria. De acordo com o presidente da Associação Gaúcha de Supermercados (Agas), Antônio Cesa Longo, esse tipo de indústria, que trabalha com 80% dos componentes importados, tem reduzido as margens de lucro e elevou o preço de seus itens em apenas 5%. A alta será sentida pelos clientes assim que os estoques dos supermercados forem substituídos, dentro de 15 dias.

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– É um setor que tem boas margens e consegue absorver aumento de custos – afirma Longo.

OS EFEITOS

Impacto da valorização do dólar no dia a dia dos gaúchos:

Eletroeletrônicos

Com componentes importados, que pesam no preço final, computadores e notebooks já estão entre 10% e 15% mais caros. Produtos mais baratos sobem mais, proporcionalmente, pois o ganho do varejo é menor e há menos capacidade de absorver altas. Câmeras digitais, tablets e TVs de plasma podem subir nas próximas semanas.

Alimentos

Fabricantes e varejistas costumam repassar a variação de preços em alimentos. Já houve alta de 15% no óleo de soja (também devido à quebra da safra no Estado) e de 10% na farinha de trigo, além de até 8% no arroz, que ficou com menor oferta por aqui porque os produtores preferem exportar, ganhando mais em reais com a alta do dólar.

Vinhos

Importadores já pagam mais pelo vinho estrangeiro, mas muitos negociam preços com fornecedores ou adiam pagamento para 30 dias, esperando câmbio mais favorável. Alguns rótulos estão até 10% mais caros, e os demais importados devem ser reajustados nos próximos 45 dias.

Roupas

As de inverno estão livres de aumento, pois as compras foram feitas no final do ano passado. Mas as coleções de primavera-verão, cujas importações começaram nas últimas semanas, terão alta de até 15%. Produtos nacionais também devem subir, com a indústria brasileira tentando recuperar lucro.

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Itens de limpeza

Produtos de higiene pessoal, limpeza doméstica e perfumaria têm cerca de 80% da matéria-prima cotada em dólar, e há um aumento de 5% já confirmado pelo varejo. O reajuste chegará aos consumidores dentro de duas semanas, quando se esgotarem os estoques dos supermercados e comércio especializado.

Eletrodomésticos

Fabricantes de geladeiras, fogões e máquinas de lavar têm parte da cadeia de fornecimento no Brasil. Mas o câmbio pode pressionar a cotação do aço, que pesa no custo desses produtos. Uma alta dos preços na indústria chegaria ao consumidor um mês depois – as lojas têm bons estoques.

Fontes: Corretora Geral, CDL Porto Alegre, Agas, Manlec e Porto a Porto

O REFLEXTO DO REAL MAIS FRACO

Aumento de custos

Produtos com alta complexidade tecnológica são feitos com componentes importados. Quanto mais alto o dólar, mais cara fica a importação e, por consequência, o valor final dos produtos.

Cotação internacional

Produtos básicos agrícolas e minerais, como soja e petróleo, são chamados de commodities e regulados por preços internacionais, definidos em dólares. Moeda norte-americana alta significa alimentos mais caros.

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Estímulo à exportação

O dólar valorizado também incentiva a exportação, porque representa mais ganho em reais. Com menos produtos disponíveis no país, o preço acaba subindo.

Menor concorrência

À medida que a importação de produtos é dificultada, sobra mais espaço para que empresas nacionais aumentem seus preços no mercado doméstico.