Depois de um período de calmaria, o câmbio voltou a subir e atingiu o maior patamar em quatro anos. Além do impacto imediato para quem está de viagem marcada, voltou do Exterior ou está fora do país, o avanço do dólar pode complicar ainda mais a tarefa do governo de combater a inflação.

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O efeito é imediato em vários setores. Produtos importados, como eletroeletrônicos, são bastante sensíveis a oscilações da moeda. Fabricantes e varejistas costumam repassar a variação de preços em alimentos importados, ou que utilizam insumos vindos do Exterior, como o pão, que tem o trigo importado como matéria-prima.

Um pouco mais tarde, os efeitos também chegam aos produtos fabricados no Brasil. É o caso dos alimentos. Com o dólar valendo mais, a exportação se torna mais atraente e o produtor prefere vender para outros países. A menor oferta no mercado interno faz o preço nas prateleiras subir.

– A indústria já começa a especular possíveis aumentos, mas o varejo luta contra. É preciso ver se esse será um cenário duradouro ou apenas um soluço cambial – afirma o gerente de vendas da Lojas Colombo, Leandro Arruda.

A oscilação da moeda é considerada mais um complicador que o governo tem de enfrentar para manter a inflação sob controle. Isso porque existe uma relação direta entre o índice e a moeda americana. Quando o dólar sobe 10%, há um impacto de 1% no IPCA.

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Além do PIB fraco e da projeção de fim do estímulo do Federal Reserve – banco central dos Estados Unidos – que injeta US$ 85 bilhões por mês no mercado, especialistas creditam a escalada da moeda americana à mudança de discurso do governo brasileiro.

Na semana passada, no mesmo dia em que o Banco Central (BC) aumentou a taxa de juro para combater o avanço de preços, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, disse que o câmbio não seria um instrumento de controle da inflação e que a alta do dólar seria positiva para as exportações brasileiras. Nesta terça-feira, a declaração do diretor de política monetária do BC, Aldo Mendes, de que o país teria de conviver com uma moeda mais fraca, fez o dólar saltar para R$ 2,15. Às 13h, quando o BC fechou a sua cotação de referência, o valor estava em R$ 2,1282.

Ação do governo pode frear valor

Mas, no início da noite desta terça, o governo resolveu intervir e Mantega anunciou a redução da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 6% para zero referente ao ingresso de capital estrangeiro em aplicações de renda fixa. Essa medida deve trazer mais dólares para o país, reduzindo a cotação da moeda.

– No passado, tínhamos elevado este tributo, que era zero, para 6%, porque havia grande liquidez no mercado internacional, e essa liquidez ameaçava entrar fortemente no Brasil, atrapalhando nosso câmbio e nossas atividades – afirmou o ministro, referindo-se ao que a presidente Dilma Rousseff chamou de tsunami de dólares que atingia os países emergentes.

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Mantega descartou que há intenção de fazer política anti-inflacionária via câmbio. Segundo o ministro, os instrumentos de política monetária são aqueles que o BC utilizou na semana passada – a elevação da taxa básica de juro para 8% ao ano. O ministro lembrou que, em 2011, havia uma enxurrada de dólares para o país, mas agora há um cenário mais normalizado e equilibrado. Mantega disse que, com a sinalização do Fed, diminui o excesso de liquidez no mercado internacional. Se houver o refluxo da liquidez, o governo coibirá os excessos.

Essa ação amplia as dúvidas sobre possível novo nível de intervenção do BC no câmbio, após um período de calmaria entre julho de 2012 e janeiro deste ano. Dividido entre um dólar mais favorável à indústria e o efeito da alta nas cotações sobre a inflação, a autoridade monetária manteve uma banda informal entre R$ 2 e R$ 2,10 naquele período.

– Existe uma contradição. O governo aumentou o juro, contrariando os próprios princípios, e agora deixa o câmbio disparar. A alta do dólar anula o efeito da Selic – avalia o economista Sidnei Moura Nehme.

Aplicar em dólar exige atenção de investidor

Apesar de ser a melhor aplicação em maio, com alta de 6,8% no período, o dólar deve ser visto com cautela pelo investidor. Mesmo que provoque alvoroço em períodos de alta, no longo prazo costuma ser um mau negócio. Em abril, por exemplo, a moeda desvalorizou 0,6%. Comprar e vender dólares é um negócio arriscado devido às fortes oscilações. Não é recomendado para pessoas físicas, já que os movimentos podem ser bruscos e inesperadas.

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– Existem outros investimentos mais seguros e rentáveis. Dólar pode ser uma parte da carteira. É importante diversificar as aplicações – explica Marcelo Lescano, gestor da Fence Investimentos.

A disparada do dólar surpreendeu donos de casas de câmbio na semana passada, que perceberam aumento de movimento de clientes mesmo durante o feriadão de Corpus Christi.

– Anda bem difícil comprar dólar. As pessoas estão segurando para ver o que vai acontecer – conta Débora Flores Gomes, gerente de um estabelecimento.

O mercado financeiro também aposta no dólar mais apreciado. Na estimativa dos analistas consultados na pesquisa Focus, a mediana das projeções para a moeda americana no final do ano subiu de R$ 2,03 para R$ 2,05 em uma semana. Há um mês, as projeções eram de R$ 2.

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– Fazer previsão de câmbio é futurologia. Com os novos indicativos do governo, acredito no dólar em patamar mais elevado e no juro mais alto para combater a inflação – diz o professor de economia da Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), Leandro Antônio de Lemos.

Alguns setores respondem com maior rapidez à alta dos custos gerada pelo dólar elevado. Em médio prazo, até produtos nacionais acabam reajustados

Já chegou

Viagens: os pacotes internacionais são os primeiros afetados pelos efeitos do câmbio. Com o dólar em alta, passagens aéreas, hotéis e alimentação ficam mais caros.

Eletroeletrônicos: produtos importados sofrem aumentos imediatos. Mesmo equipamentos fabricados no Brasil sentem os reflexos do câmbio, já que vários componentes vêm do Exterior. Equipamentos mais baratos sobem mais, proporcionalmente, pois o ganho do varejo é menor.

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Em algumas semanas

Alimentos: fabricantes e varejistas costumam repassar a variação de preços em alimentos importados ou cuja matéria-prima vem de outros países, como o trigo usado no pão. Os produtos nacionais também ficam mais caros. A alta do dólar torna a exportação mais vantajosa, o que reduz a oferta no mercado interno.

Em 30 dias

Itens de limpeza: como boa parte dos insumos são trazidos do Exterior, também podem ser afetados, embora de forma reduzida. O reajuste chega aos consumidores quando se esgotarem os estoques dos supermercados e do comércio especializado.

Entre 30 e 60 dias

Eletrodomésticos: a maioria dos produtos é fabricada no Brasil, mas como parte da cadeia de fornecimento está no Exterior também são impactados pela alta do dólar. No entanto, como as lojas têm estoque, o aumento dos preços pode demorar entre 30 e 60 dias para chegar ao bolso do consumidor.

Em seis meses

Roupas: produtos de inverno estão livres da alta do dólar porque as compras dos varejistas são normalmente feitas com antecipação de seis meses. Se o cenário de dólar alto permanecer, as coleções de primavera-verão, cujas importações começaram nas últimas semanas, podem ter impacto nos preços.

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