Cortar o molde, alinhavar o tecido e passar na máquina de costura. O processo de confecção de uma roupa parece simples, mas no universo da moda nada acontece por acaso. Para criar uma roupa, um estilista precisa de muita pesquisa. Por trás de qualquer corte ou escolha de tecido, há toda uma lógica. O que as pessoas tiram do guarda-roupa todos os dias, mesmo que o ato pareça sem esforço, é resultado do que os especialistas no assunto criaram, discutiram e apresentaram. A moda cria linguagens, muda comportamentos e altera a mais básica expressão de uma sociedade – o modo de se vestir. Por isso, ela ganhou espaço no meio acadêmico, é objeto de pesquisas e se transformou em uma ciência humana.
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Talvez pelo sucesso dos terninhos com saia, os chamados tailleurs, criados no ateliê parisiense de Coco Chanel ou pelos vestidos esvoaçantes cheios de cor de Cristian Dior, a influência do vestuário na sociedade começou a ser estudada a fundo na metade do século passado.
– Os primeiros desbravadores do assunto foram os italianos, que se aprofundaram nas pesquisas acadêmicas em assuntos como mercado, consumismo e as várias formas de interpretação que os consumidores tinham sobre a vestimenta como ferramenta de comunicação – explica Danilo Cañizares, coordenador do Ixel Moda, congresso latino-americano realizado na Colômbia. O especialista esteve no Brasil nesta semana para o 6º Colóquio Nacional de Moda.
As criações da alta-costura transitam tanto no âmbito da arte quanto no da ciência. No início, as pesquisas sobre esse universo eram mais focadas no aspecto social e artístico, mas hoje as áreas de estudo se expandiram.
– O vestuário não é apenas uma expressão do ser humano, é um negócio que tem disciplinas de estudo em marketing, estatística, técnicas de criação e de padronagem. Por causa do seu crescimento e do impacto que teve na vida moderna, as instituições educacionais têm estudos cada vez mais voltados para entender quais variáveis influenciam a sociedade e os desejos de consumo – afirma Cañizares.
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De acordo com o colombiano, o sociólogo Francesco Morace e a antropóloga Elisabetta Passini, ambos italianos e criadores do Future Concept Lab, foram os pioneiros em pesquisas de comportamento social usando a moda como referência.
Para Lars Svendsen, filósofo norueguês e autor do livro Moda: uma filosofia (Jorge Zahar), muitos estudos foram desenvolvidos, porém grande parte dos acadêmicos ainda tendem a ver a moda como algo superficial, que não tem valor para ser objeto de um estudo apropriado.
– Discordo disso completamente, porque a moda tem um papel crucial no mundo moderno, onde a nossa identidade não é mais uma questão do que a nossa tradição cultural nos dá, mas uma extensão crescente das coisas que compramos. Então, se queremos nos entender melhor, nós precisamos entender como a moda funciona e como ela pode nos influenciar – disse.
Teoria e prática
Além de ajudar a explicar comportamentos sociais, os estudos fornecem importantes informações para a própria indústria, que passa a ter, com essas pesquisas, uma melhor noção de como pode atingir seu público. A evolução do mercado gerou ainda a necessidade de profissionais cada vez mais especializados. Criatividade e vontade não bastam para quem deseja trabalhar no universo fashion, é preciso conhecimento, que hoje obtém-se na universidade. A moda invade cada vez mais a academia.
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– moda não é tão simples como se costuma pensar. As pessoas têm versões mitificadas do que é criação, mas existem métodos para isso. É mais do que natural, portanto, que esse universo seja estudado em um nível universitário e mais complexo – analisa Marco Antônio Viera, coordenador do curso de moda do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb).
A estilista brasiliense Clarice Garcia destaca a importância de se especializar no tema. Depois de se formar em arquitetura pela Universidade de Brasília, Clarice fez as malas e se mudou, em 2004, para a Itália, onde estudou no Instituto Politécnico de Milão e fez pós-graduação em tendências no Instituto Europeu de Desing.
– Estudar moda mudou minha visão. Tinha feito um curso de corte e costura antes de ir e não imaginava como a teoria faz diferença. Criar não é apenas fazer qualquer coisa, existe um objetivo, uma linguagem e uma teoria por trás de tudo – diz.
De volta a Brasília em 2008, Clarice ganhou o prêmio Novos Talentos, no Capital Fashion Week, evento no qual já apresentou três coleções. Hoje ela dá workshops no Projeto em Bloco e escreve sobre tendências no site www.desenhocultural.blogspot.com.
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Clarice ressalta que a percepção das pessoas sobre conceitos importantes no mundo da moda, como tendência, é geralmente equivocada.
– Achar que tendência é mera observação é um erro. Existem estudos sociológicos feitos pelas grandes indústrias para isso – explica. – A maxibolsa, por exemplo, foi uma resposta para a necessidade das consumidoras, que precisam levar muita coisa quando saem de casa – completa.