Os dados esmiuçados dos índices de inflação comprovam a percepção do empresário André Azevedo Ervalho. Deixou de ser surpresa encontrar preços de alimentos maiores do que a última ida às compras.

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– Acabei de pagar R$ 4 por um pé de alface – ilustrava Ervalho na sexta-feira, na saída de uma banca do Mercado Público, na Capital.

Em vídeo, veja como os consumidores fazem para driblar a inflação

Considerados a âncora verde do Plano Real nos primeiros anos da estabilização da economia, os alimentos passaram de mocinhos a vilões nos últimos sete anos e cada vez mais corroem o poder de compra da população. Os dados do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), calculados pelo IBGE e considerados a inflação oficial do país, não deixam dúvidas.

No período de 12 anos entre 1995 e 2006, apenas três vezes os preços do grupo alimentação e bebidas, que inclui despesas dentro e fora do domicílio, foram superiores ao índice geral do IPCA. A partir de 2007, a situação se inverte. Nesse período, o IPCA avançou 45,9%, enquanto alimentos dispararam 79,1%. Ou seja, 72,3% a mais que a média da inflação.

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Cenário semelhante é detectado pela Fundação Getulio Vargas (FGV), responsável pelo Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S). Os gêneros alimentícios, que incluem só produtos adquiridos no varejo para refeição em casa, subiram 43,7% a mais do que o índice geral nos últimos seis anos. Alguns itens ficaram mais indigestos. Nas hortaliças e legumes, a alta foi 91,6% maior. No caso da carne bovina, 63,5%.

Os números também surpreenderam o economista Marcio Silva, coordenador do escritório da FGV em Porto Alegre, que fez os cálculos do IPC-S para ZH:

– Não esperava uma diferença tão grande (em relação à inflação). E o problema é que isso atinge as classes mais baixas, que comprometem parcela maior da renda com alimentos.

Para especialistas em inflação e agronegócio, a explicação para o brasileiro gastar cada vez mais para se alimentar é simples. De um lado, crescimento do consumo global de comida, puxado pela expansão vertiginosa da economia chinesa nos últimos anos e pelo avanço da renda de outros países emergentes, como o próprio Brasil. Do outro, uma produção que não avançou no mesmo ritmo do apetite. Para completar, maior uso de grãos para biocombustíveis.

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– A partir de 2007 ficou claramente definido que o mundo teria esse déficit de oferta em relação à demanda mundial de alimentos – afirma José Vicente Ferraz, diretor técnico da consultoria Informa Economics FNP.

Nos primeiros anos do real, a relativa igualdade da cotação da moeda brasileira com o dólar também desestimulava as exportações, ao mesmo tempo que facilitava as importações.

– A agricultura é hoje voltada à exportação. Isso expulsou a produção que era destinada ao mercado interno. Várias commodities agrícolas subiram muito no Exterior, contaminando os preços domésticos – diz Emerson Marçal, coordenador do Centro de Macroeconomia Aplicada da Escola de Economia da FGV de São Paulo.

Embora ninguém espere comida mais barata, a trajetória dos preços dos alimentos nos próximos anos e décadas ainda causa divisão. Há quem acredite em estabilidade, fruto de fatores externos como crescimento menor da China e da própria desaceleração da economia brasileira. Mas também há apostas na continuidade da escalada das cotações pela incapacidade de o mundo elevar a produção no mesmo nível do crescimento do consumo.

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– Os estudos que apontam para 2020 ou 2050 indicam que os alimentos ficarão mais caros – sentencia Ferraz.

Churrasco tende a ficar mais caro

Maior símbolo da culinária gaúcha, o churrasco tende a ficar cada vez mais caro no futuro. Quase um artigo de luxo em boa parte do mundo, a carne bovina também terá os preços pressionados no Brasil pela dificuldade de aumentar o abate na mesma velocidade do consumo.

Os ganhos de produtividade por conta da maior utilização de tecnologia e técnicas de criação mais intensiva não têm sido suficientes para compensar o crescimento das exportações, que enxugam a oferta no mercado interno, e o avanço da agricultura sobre as áreas de pecuária.

– A elitização do consumo da carne bovina é um fenômeno mundial. Também vai acontecer aqui, embora não na mesma escala. Mas os cortes mais nobres, principalmente, vão ficar mais caros. O pessoal vai ter que começar a colocar outros tipos de carne no churrasco – avalia José Vicente Ferraz, diretor da Informa Economics FNP, especializada em agronegócio. – O Brasil também é o único lugar do mundo onde há hambúrguer de picanha. E aquele monte de carne jogada fora no espeto corrido também vai diminuir.

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Como no mundo também não há área para aumentar a oferta de carne bovina, a tendência é de que os preços internacionais continuem subindo, admite José Carlos Hausknecht, diretor da MB Agro.

– Não creio que a carne se tornará um artigo de luxo no Brasil. Ainda podemos aumentar a produtividade. Mas a tendência de longo prazo é que fique mais cara – atesta Hausknecht.

Enquanto especialistas traçam um horizonte ainda mais desafiador para os apreciadores do churrasco, os consumidores que já sentiram no bolso a alta da carne nos últimos anos vão aos poucos tentando se adaptar.

– A picanha dobrou de preço nos últimos três anos. O jeito é diminuir a frequência dos churrascos – receitava o industrial Paulo Blauth, 55 anos, em frente ao balcão de um açougue no Mercado Público.

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Preocupação até para vegetariano

O cenário não é preocupante apenas para os carnívoros. Vegetarianos ou apreciadores de frutas e saladas também têm desembolsado mais para manter a dieta, mostram os dados do Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S).

Além do aumento do consumo, resultado da melhoria da renda da população nos últimos anos, os preços dos hortigranjeiros vêm sendo pressionados pela escassez e elevação do custo da mão de obra no campo e dificuldade de mecanização das pequenas propriedades.

– A saída é pesquisar os lugares mais baratos ou então não comprar – diz a secretária-executiva Helena dos Santos, 51 anos, outra assustada com a alface de R$ 4.

Um dos poucos alentos é que a dupla arroz e feijão, base das refeições dos brasileiros, tem destoado do cardápio inflacionário dos alimentos.

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