Se a luta feminista é hoje lembrada como uma das grandes conquistas sociais do século passado, outra importante mudança de costumes permanece à sombra da história: a crescente participação do homem na vida familiar. Consequência ou não da entrada delas no mercado de trabalho, eles se aproximaram do lar e da criação dos filhos e, hoje, buscam direitos igualitários como genitores. No Brasil, um exemplo disso foram as vitórias alcançadas pelas associações de pais em duas matérias: a aprovação dos projetos de leis da guarda compartilhada e da alienação parental. Porém, enquanto o primeiro tema é ponto pacífico, o segundo se encontra em meio ao fogo cruzado da opinião pública – por puro desconhecimento de causa.
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A chamada síndrome da alienação parental se configura quando um dos genitores manipula a criança para que rompa o vínculo afetivo com o outro genitor. São casos de mães ou pais que, por meio de estímulos negativos, convencem o menor de que ele não é amado por uma das partes – e que, portanto, deve se afastar. Muitas vezes, esse tipo de comportamento envereda para a calúnia, chegando ao limite de falsas acusações de violência e abuso. Confusa, a criança envolvida na campanha de desmoralização passa a aceitar como verdadeiro o que lhe é informado e, progressivamente, cria aversão pela parte criticada.
A partir daí, o alienador assume o controle da situação, enquanto o outro é tido como um invasor, “um intruso a ser afastado a qualquer preço”, como afirma a desembargadora Maria Berenice Dias, vice-presidente nacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família, do qual é uma das fundadoras, e autora do livro Manual do direito das famílias. O jogo de manipulações leva a criança a perder por completo o contato com a figura alienada e pode ter consequências perigosas para a formação de sua personalidade.
O advento da nova lei permite a punição daquele que, comprovadamente, dificultar o acesso físico ou emocional à criança. Segundo o presidente da Associação de pais e filhos separados (Ong Apase), Analdino Rodrigues, as sanções variam de acordo com o caso e vão de simples advertências judiciais até a revisão no direito de guarda do menor.
– Inicialmente, tem mais caráter pedagógico do que punitivo. Mas acredito que a possibilidade da inversão da guarda vá coibir a prática – analisa Maria Berenice Dias.
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A complexidade dos casos, contudo, limita a atuação da Justiça. Os juízes tradicionalmente demonstram cautela quando as acusações envolvem, por exemplo, suspeita de abuso sexual. O processo muitas vezes acaba emperrado devido à falta de provas.
– Lembro-me de um pai que foi acusado pela ex-mulher de introduzir um prego no ânus do filho. Ele era um homem sério, um profissional gabaritado. Ele não tinha como provar que jamais praticou tal ato. Mas não pôde mais ver o filho. As falsas acusações de abuso sexual são muito sérias e destroem tanto a vida do pai quanto a do filho, que nunca saberá o que realmente aconteceu – lamenta Analdino.
Psiquiatras americanos pioneiros nos estudos de alienação parental apontam que a criança é a maior prejudicada no imbróglio. Segundo a Ph.D. Jayne Major, o modelo principal desses meninos e dessas meninas acabará sendo o genitor patológico. O psiquiatra Richard Gardner aponta em uma de suas pesquisas que induzir uma síndrome de alienação parental em um menor é uma forma de abuso.
– Em casos de abusos sexuais ou físicos, as vítimas chegam um dia a superar os traumas e as humilhações que sofreram. Ao contrário, um abuso emocional irá rapidamente repercutir em consequências psicológicas e pode provocar problemas psiquiátricos para o resto da vida – afirma em seu livro.
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Mulheres: principais alienadoras
De acordo com Analdino Rodrigues, presidente da Apase, estima-se que 94% dos alienadores sejam mulheres.
– Não que elas tenham maior tendência para programar a síndrome, mas por serem a maioria absoluta – em iguais 94% segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – na detenção da guarda dos filhos – afirma.
Quando o rancor extrapola os limites
Alguns critérios precisam ser observados para caracterizar a síndrome da alienação parental.
– As rixas e as picuinhas entre ex-cônjuges são comuns. As mágoas são naturais e superáveis. Provavelmente a criança ouvirá ambos os lados criticarem o outro. Mas isso não se aplica como alienação. Não se esse processo não afetar seu vínculo com a mãe ou o pai – aponta a assistente social e doutora em sociologia Denise Duarte Bruno, responsável por laudos em processos de disputa de guarda e regulamentação de visitas.
Outra prática confundida com a síndrome é o conflito de lealdade, no qual a criança preserva a figura parental, mas pretere um genitor para não machucar o outro.
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– Já lidamos com muitas crianças que vivem com esse conflito. Lembro-me de um menino que morava com o pai e não queria visitar a mãe. Ao ser questionado, ele afirmou que, quando ele se encontrava com a mãe, o pai chorava e dizia que não aguentava passar o fim de semana sem ele. Quando perguntado o que ele mais achava gostoso na vida, ele dizia que era o bolo de chocolate que a mãe fazia para ele. Ele não perdeu o vínculo, mas queria proteger o pai – conclui Denise.
O tema é muito mais delicado do que parece.
– Não é um debate que só deve ser pensado no âmbito judiciário. É necessária uma política real de prevenção da alienação. Na educação e na saúde, especialmente – opina.
Nas escolas, por exemplo, a desqualificação de um dos genitores é constante, mesmo que na sutileza de mandar os comunicados e informativos apenas para o que tem a guarda da criança.
– É uma mensagem que a criança recebe de que um é mais importante que o outro. Nos hospitais, o descaso é ainda maior. Os médicos não se interessam ao consultar uma criança, em saber como está a estrutura da família. Acho que não dá para colocar toda a responsabilidade sobre o Judiciário – pondera a assistente social.
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Para ver
A morte inventada, de Alan Minas
Para ler
Pais que querem ser pais, de Carlos Dias Lopes.
Síndrome de alienação parental e a tirania do guardião, organizado pela Apase