Imagine que você seja um roqueiro inveterado, desses que têm uma coleção de discos monstruosa, um armário cheio de camisetas de bandas, vai a shows e devora revistas e blogs sobre o assunto. Todo pimpão, puxa conversa com o alemão de jaqueta de couro, ao lado de uma respeitável motocicleta, crente de que ele também é “entendido”. Após destilar seu conhecimento, o colega fulmina: “Beleza, mas você esteve em Woodstock? Foi roadie do Deep Purple? Trabalhou para o Nazareth?”.

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Manfred Rainer Maier já. Não que, aos 58 anos, ele saia por aí exibindo o currículo iniciado ainda na pré-adolescência, mas os feitos do germânico pontuam uma grande história, que chega até o distrito de Pirabeiraba, em Joinville, onde ele mora desde 2013. Nascido em 1958, Manfred é de Ehingen, no Extremo-Sul da Alemanha.

Filho de um caminhoneiro simpatizante do nazismo, ele formou com o irmão Peter, nove anos mais velho, a dupla rebelde da casa. O rock era proibido nela, mas os discos que eles ouviam às escondidas – Beatles, Rolling Stones, The Who, Yarbirds – serviam como válvula de escape e expressão de rebelião contra as regras rígidas impostas pelo pai.

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Em 1969, a adoração pela música fez Peter armar um plano para assistir ao festival de Woodstock, que aconteceria a milhares de quilômetros dali, no interior dos EUA. Manfred pressionou o irmão para ser levado junto, que concordou, desde que o pai autorizasse. Porém, o único que ficou sabendo da fuga foi o avô, com quem o rapaz trabalhava e por quem tinha enorme estima. Manfred tinha só 11 anos e nunca mais voltou para casa.

– O principal motivo era sair de casa – revela Manfred, em português cheio de sotaque.

Após três meses em alto-mar, trabalhando em um navio, os dois chegaram a Nova York semanas antes do festival. Depois, tomaram o rumo da pequena Bethel, onde o festival aconteceu, em agosto de 1969. Após trabalharem em uma fazenda próxima, conseguiram emprego no próprio evento, ajudando na montagem do palco.

Dali, Manfred viu ícones do rock entrarem e saírem de cena, como Santana, The Who, Joe Cocker, Creedence, Jimi Hendrix e Janis Joplin. Dali, também viu a confusão e o mar de lama que Woodstock se tornou, um marco da cultura mundial.

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– Hoje, jamais queria não ter estado lá. Apesar de não lembrar de muita coisa, ter participado de um momento histórico é incrível.

Mais três meses de navegação rumo à Alemanha e as coisas mudaram. Peter se alistou na Marinha, e Manfred, mesmo ainda garoto, comprou uma moto para correr a Europa montando palcos para bandas, usando a experiência adquirida em Woodstock. Foi assim que se deparou, em 1970, com sua banda favorita, o Deep Purple.

Até 1975, ele calcula que tenha trabalhado em cerca de cinco shows por ano para os ingleses e quatro para outras bandas, como Nazareth e Uriah Heep.

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– Gostava muito de trabalhar com o Deep Purple. Eles tocavam muito bem, especialmente Jon Lord, que era um homem excepcional – diz Manfred, cuja amizade duradoura com o mítico tecladista (morto em 2012) o fez dar ao filho o nome do músico.

Em 1976, com uma namorada e um certo desânimo pelo fim do Purple, Manfred resolveu se dedicar aos estudos. Dois anos depois, ingressou no Exército e, mais tarde, no serviço de inteligência alemão. Realizou missões na União Soviética e no Camboja, um período sobre o qual prefere não falar. Engatou uma vida, digamos, normal em 1985.

Formado em mecânica, gestão empresarial e qualidade, chegou a Joinville em 1995 para trabalhar na KaVo – mais tarde, montou uma empresa de consultoria. Hoje, instalado no pé da Serra Dona Francisca, se divide entre o trabalho numa empresa de Pirabeiraba, encontros de motociclistas e shows de rock – recentemente, assistiu a David Gilmore, Iron Maiden e Rolling Stones e tem ingresso comprado para o Black Sabbath, em Curitiba.

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É como se o menino que foi a Woodstock continuasse por aí, saboreando a música e a liberdade.