A história recente de Joinville está diretamente atrelada a acontecimentos e personagens de outra época que contribuíram para a construção política e econômica da cidade desde a sua colonização. Mas, por mais importantes que fossem para a narrativa, nem sempre essas figuras tiveram seus rostos conhecidos. Este é o caso de Adolph Haltenhoff, nomeado o primeiro prefeito de Joinville, mas nunca devidamente reconhecido na sede do Executivo municipal. Mais de 150 anos depois, uma moção assinada pelo vereador Henrique Deckmann (MDB) busca reescrever este capítulo e expor a única foto existente do alemão na galeria de ex-prefeitos na prefeitura.

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Fotografia recortada do primeiro prefeito de Joinville
Fotografia recortada do primeiro prefeito de Joinville (Foto: Arquivo Histórico de Joinville/Reprodução)

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A história da família  Haltenhoff  e seus descendentes começa a se fundir com a de Joinville em 1851, quando Adolph, a esposa Dorothea Ruhstrat e as três filhas ingressaram na brigue dinamarquesa Gloriosa — a terceira embarcação a velas atulhada de imigrantes —, que tinha como destino a então Colônia Dona Francisca.

Nascido na pequena cidade de Dassel, perto de Hannover, na Alemanha, deixou o país de origem por causa da crise econômica e política e os inúmeros conflitos que assolavam a Europa Central, especialmente os estados alemães.

E, desde que pisou na que viria a ser a maior cidade catarinense, Haltenhoff assumiu o papel de liderança comunitária e política, vindo a atuar como subdelegado e juiz de paz, além de empresário no ramo da olaria. Ajudou a fundar diversas associações como a Sociedade Harmonia, a Harmonie Gesellschaft em alemão, que anos depois fundiu-se com a Harmonia Lyra; foi responsável pela criação do clube de tiros de Joinville — o primeiro do Brasil, segundo a historiadora Elly Herkenhoff —; e a formação da comunidade evangélica.

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Mas o marco principal de sua vida aconteceu em 1868 quando, em uma eleição que durou dois dias, Haltenhoff foi o vereador mais votado dos sete que concorriam ao pleito e, consequentemente, tornou-se presidente da Câmara Municipal, cargo responsável por também exercer as funções que hoje são de prefeito.

A política e a cidade na época de Haltenhoff

Para concorrer na primeira eleição, no entanto, o imigrante precisou naturalizar-se como brasileiro, já que, como acontece na atualidade, estrangeiros não podiam se eleger. O mesmo valia para os eleitores. Por isso, à época, mesmo com uma população com pouco mais de 5 mil habitantes — em sua esmagadora maioria de estrangeiros —, apenas 231 pessoas tiveram o poder de escolha.

Ata da primeira sessão da história na Câmara de Joinville
Ata da primeira sessão da história na Câmara de Joinville – (Foto: Arquivo Histórico de Joinville)
Documento foi assinado por Adolph Haltenhoff, primeiro prefeito da cidade
Documento foi assinado por Adolph Haltenhoff, primeiro prefeito da cidade – (Foto: Arquivo Histórico de Joinville)

Dilney Cunha, historiador e coordenador do Arquivo Histórico de Joinville, conta que as chamadas “eleições paroquiais” eram bastante excludentes. Além da exigência da naturalização, só podiam concorrer homens com mais de 21 anos e que tivessem uma renda mínima anual. Em âmbito nacional, segundo Cunha, apenas 10% da população brasileira se enquadrava neste perfil e, portanto, tinham direito de participar das eleições.

E foi no dia 7 de setembro, data simbólica em comemoração à Proclamação da Independência do Brasil, que os primeiros eleitores da história de Joinville deixaram suas casas rumo à antiga Igreja Matriz São Francisco Xavier, atual Catedral, local onde aconteceu a votação.

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Segundo a reportagem publicada no AN em 2020, o voto ainda não era secreto e o país era regido pela Constituição de 1824, portanto, a estrutura política era dividida em três níveis: municípios, províncias e governo central. Os únicos que podiam se eleger diretamente eram vereadores e juízes de paz. Já os cargos para deputados, senadores e das assembleias provinciais eram definidos pelo imperador Dom Pedro I.

Cunha cita que neste primeiro pleito foram eleitos sete parlamentares dos dois únicos partidos existentes. São eles: Jacob Müller, Johann Adolph Haltenhoff, Fritz Lange, Benno von Frankenberg (eleitos pelo Partido Liberal) Bernard Poschann Jr., Ludwig von Lasperg e Jean Bauer (eleitos pelo Partido Conservador).

— Esses sete cidadãos, por sua vez, elegeram Haltenhoff presidente da Câmara Municipal, que exercia também funções executivas. Por isso é  considerado também o primeiro prefeito de Joinville — explica o historiador.

No final dos anos 1860, Joinville ainda tinha características bastante coloniais e, segundo Cunha, a economia era baseada, sobretudo, na agricultura. Mesmo com a população ainda em crescimento, já havia um número significativo de indústrias (164), principalmente do ramo agrícola.

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— Havia ainda um Juizado de Paz, uma Subdelegacia, 12 escolas, cinco igrejas, associações de canto, de teatro e uma loja maçônica. Da população de 5.237 habitantes, 3.305 eram estrangeiros, sobretudo alemães. E a maioria absoluta era da religião protestante — relata. 

Foi neste cenário em que Haltenhoff governou a cidade. Ele ficou conhecido, além de seu dinamismo, pela rigorosidade e forte atuação comunitária. Conforme narra o especial “Legislaturas Históricas”, da Câmara de Joinville, ainda como juiz de paz, não admitia ausências durante as audiências e passou a multar os faltantes. Três anos antes do pleito, fez campanha de convocação aos joinvilenses para defender o Brasil na guerra contra o Paraguai, os denominados “Voluntários da Pátria”.

A primeira ata da sessão presidida pelo alemão foi assinada em 13 de janeiro de 1869, data que também marcou o dia da posse dos primeiros vereadores da história da cidade. Até 1898, as sessões da Câmara aconteciam na casa dos parlamentares ou em uma das salas da Sociedade Colonizadora do município. A primeira sede própria da Casa foi em um imóvel construído na Rua do Príncipe, em um terreno que pertencera a Haltenhoff.

Primeira sede da Câmara de Vereadores de Joinville, na Rua do Príncipe
Primeira sede da Câmara de Vereadores de Joinville, na Rua do Príncipe (Foto: Arquivo Histórico de Joinville/Reprodução)

A história por trás da foto

Após a morte da esposa, Haltenhoff deixou Joinville em 1874 e foi morar com uma das filhas e o genro em Paris. No ano seguinte, o alemão morreu. Desde então, mesmo já reconhecido como o primeiro prefeito de Joinville, segundo Dilney Cunha, faltava uma comprovação técnica e informações acerca da fotografia em que ele aparece.

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A responsável por entregar a imagem ao historiador foi a advogada Roberta Noroschny, de 46 anos, tataraneta do alemão. E foi neste gesto que, novamente, as memórias de Haltenhoff e de seus descendentes fizeram a diferença para a manutenção da história joinvilense.

— A minha avó tinha uma foto em casa em que algumas personalidades contemporâneas de Haltenhoff apareciam. Como era o bisavô dela, ela o reconheceu na foto e pediu para que eu levasse ao prefeito Udo Dohler na época para compor a galeria dos ex-prefeitos — conta Roberta.

Sua avó Jutta Hagemann, inclusive, é figura conhecida na cidade e foi intitulada como a “guardiã da história” pelo conhecimento que tem sobre Joinville. Até pouco antes de falecer, em dezembro de 2018, aos 92 anos, a mulher era frequentemente procurada para contribuir com pesquisas e depoimentos.

Roberta e a avó, Jutta, a guardiã da história
Roberta e a avó, Jutta, a guardiã da história (Foto: Roberta Noroschny/Arquivo pessoal)

Em março de 2019, quando foi chamada para uma homenagem a outro parente seu no Cemitério dos Imigrantes, Roberta finalmente conseguiu cumprir a promessa feita a avó.

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— E, quando eu escrevia a minha fala, tive a impressão de ter escutado minha avó dizendo para abrir o livro sobre a história dos ex-prefeitos de Joinville, o que me pareceu meio absurdo, porque Julius era meu octavô, nascido bem antes de Haltenhoff. Ele era confeiteiro e não tinha exercido função pública na colônia. Mas quando abri o livro, encontrei a foto original. Para mim, foi como se a minha avó tivesse me lembrando do compromisso e sugerindo a data certa para entregar para o prefeito a foto. E foi o que fiz — lembra.

A foto, que atualmente fica no Arquivo Histórico, segundo Dilney Cunha, foi tirada em um bar restaurante com boliche, no início da atual Avenida Getúlio Vargas. O estabelecimento era de propriedade de Carl Molitor, que também aparece na imagem, junto a outras personalidades importantes da cidade.

Foto foi retirada do livro
Foto foi retirada do livro “Joinville: Nossos prefeitos” (Foto: Arquivo Histórico de Joinville/Reprodução)

O historiador conta que, para fazer a comprovação da foto, cruzou a imagem com outros documentos do acervo do Arquivo Histórico e registros da Comunidade Evangélica da cidade. Agora, para que a imagem de Haltenhoff seja exposta na galeria de prefeitos basta a aprovação do prefeito Adriano Silva (Novo).

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