Enquanto o mundo assiste à violência que dizima a população na Síria e a comunidade internacional não chega a um entendimento sobre como interromper a carnificina, o ditador Bashar al-Assad afirmou que irá resistir até o fim.

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– Renunciar seria fugir – declarou em uma rara e peculiar entrevista a veículos latino-americanos publicada no fim de semana.

Al-Assad foi ouvido pelos repórteres Marcelo Cantelmi, do jornal Clarín, de Buenos Aires, e Horacio Raña, da agência estatal de notícias argentinas Télam. As circunstâncias da conversa, no entanto, são mais uma demonstração do tom ditatorial do regime, que em março de 2011 passou a reprimir com violência brutal manifestações da chamada Primavera Árabe, desencadeando a resistência armada e um conflito com mais de 94 mil mortes, segundo organizações de direitos humanos. Conforme o Clarín, os gravadores dos jornalistas foram apreendidos e só uma transcrição oficial em espanhol foi fornecida.

Como Al-Assad se recusa a falar em inglês com a imprensa, um intérprete de árabe para espanhol foi disponibilizado no local do encontro, a biblioteca do palácio presidencial em Damasco, relatou o Clarín, e por precaução para evitar manipulações na tradução, os repórteres haviam posicionado gravadores também na cabine de tradução. As gravações dos equipamentos, porém, foram apagadas por “ordem oficial”.

Apesar de o encontro ter durado uma hora e meia, uma versão de menos de 10 minutos em vídeo editado pelo regime foi entregue aos jornalistas. “Esta reportagem se embasou nas anotações tomadas à mão durante a conversa e só se usaram as partes da transcrição oficial que coincidiam com o caderno de anotações. O resto teve de ser descartado”, segundo o jornal.

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Nas declarações, Al-Assad negou que tenha utilizado armas químicas contra a população civil – suspeita que inspetores das Nações Unidas ainda tentam confirmar – e afirmou que as acusações são pretexto para justificar uma intervenção estrangeira.

– As acusações contra a Síria a respeito do uso de armas químicas ou minha renúncia mudam todo dia. E é provável que isso seja usado como um prelúdio para uma guerra contra o nosso país.

O uso de armas químicas “significaria a morte de milhares ou dezenas de milhares de pessoas em questão de minutos. Quem poderia esconder algo assim?”, argumentou.

“É ilógico realizar autocrítica

antes da conclusão”, alegou

As declarações ocorrem em meio à crescente pressão internacional e a uma pouco usual ação entre Estados Unidos e Rússia – aliado de Al-Assad e fornecedor de armas – para convocar uma conferência de paz em Genebra, entre membros do regime e rebeldes. Washington reclamou em várias ocasiões a saída de Al-Assad do poder, algo que a oposição síria considera uma condição imprescindível para qualquer iniciativa de paz.

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– Não acreditamos que muitos países ocidentais realmente queiram uma solução na Síria. E não pensamos que as forças que sustentam os terroristas queiram uma solução para a crise – declarou o presidente, cuja família ocupa o poder há mais de 40 anos.

O presidente sírio também questiona as estimativas sobre o número de mortos feitas por grupos humanitários, mas reconheceu que “milhares de sírios morreram” na guerra civil:

– Não deveríamos ignorar que muitos dos mortos dos quais eles falam são estrangeiros que vieram matar o povo sírio (…) O debate aqui não é a quantidade de força utilizada ou o tipo de armas, mas o grau de terrorismo que sofremos, para o qual temos o dever de responder.

Questionado se faria alguma autocrítica, Al-Assad respondeu:

– É ilógico realizar uma autocrítica antes da conclusão dos eventos. Se você for assistir a um filme, você não irá criticá-lo antes do fim.

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Ontem, a televisão estatal síria anunciou a invasão do exército ao reduto rebelde de Quseir, na província de Homs, considerada estratégica por ficar entre a capital e a costa mediterrânea. Várias localidades de Homs – um dos locais originários de oposição ao regime – já foram tomadas pelas forças leais ao ditador.

Ativistas sírios temem que a invasão gere um novo massacre de civis.