Atriz francesa que fez história ao ganhar o Oscar (por Piaf, um Hino ao Amor), Marion Cotillard tem em Ferrugem e Osso um daqueles desafios da vida de um intérprete: encarnar uma mulher linda e saudável que, em decorrência de um acidente, tem de amputar as duas pernas. Ela se sai muito bem (quando não se saiu?), e o melhor: o filme, que estreia nesta sexta-feira, tem muito mais a oferecer além da sua grande atuação.

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Ferrugem e Osso é o longa que o francês Jacques Audiard emenda na sequência do impactante (e ótimo) O Profeta (2009). Transporta para o cinema a atmosfera do livro homônimo de contos do canadense Craig Davidson, cuja literatura é frequentemente comparada à de Chuck Palahniuk (de Clube da Luta), com a diferença de que os dois personagens principais são, na verdade, criações do diretor e do corroteirista Thomas Bidegain. Mais do que um filme sobre o drama de Stéphanie (a personagem de Marion Cotillard), trata-se da história do encontro dela com o ex-boxeador Ali (Matthias Schoenaerts).

Desempregado, precisando cuidar do filho de cinco anos (Armand Verdure), ele sai de uma região pobre da Bélgica rumo ao sol de Antibes, no litoral da França, onde é acolhido pela irmã (Céline Sallette), que ganha a vida trabalhando como caixa de supermercado. Logo consegue emprego como segurança de uma boate – onde conhece Stéphanie. Ferrugem e Osso demora um pouco a mostrar a que veio, apresentando a rotina da mulher como adestradora de orcas e enfatizando sua beleza, sua segurança, sua altivez – tudo o que é oposto a ele e que desmorona quando uma orca sai do controle e provoca o fatídico episódio.

Audiard aproveita a luz natural do sul da França para criar um visual em várias sequências calcado em cores quentes, quase sempre a ressaltar a geografia dos corpos à mostra, e que se torna ainda mais notável pela precisão dos efeitos especiais – a atriz usou longas meias verdes nas filmagens, para que suas pernas pudessem ser apagadas digitalmente na pós-produção. O ex-boxeador em seguida consegue incrementar o orçamento doméstico participando de lutas de rua (que rendem apostas diversas), cujas imagens são capturadas pelo fotógrafo Stéphane Fontaine em toda a sua crueza – e fazendo lembrar ainda mais o filme que David Fincher adaptou de Palahniuk em 1999.

Tudo tem um propósito. Mais do que a ideia de adaptação e reinvenção pessoal em meio às dificuldades, que afinal é o que aproxima Ali e Stéphanie (e que remete a O Profeta), trata-se de demarcar, nos corpos dos dois personagens, a brutalidade que desencadeia as necessidades de afeto de cada um. Ferrugem e Osso é um filme essencialmente físico, que contrapõe beleza e violência, delicadeza e selvageria, como a dizer o quão próximos são nossa fragilidade e nossa força, o fundo do poço e a redenção.

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Lá pelas tantas, o foco de Audiard se volta excessivamente para Ali, o que só não é um problema porque, a essa altura, já está claro que o personagem a ser desvendado, mais do que ela, é ele. A relação dos dois e a própria vida de Stéphanie dependem dos atos do homem. Você vai ver: trata-se de uma relação complexa, no limite entre rótulos pré-estabelecidos, como convém a um filme que se constrói conectando polos tão opostos.

A destacar, também, a trilha sonora, que faz uso de músicas de Lykke Li, Bon Iver, Katy Perry e Bruce Springsteen, entre outros. Neste caso, em vez de indicar bipolaridade, o apelo pop só ajuda na criação de climas que fazem de Ferrugem e Osso um filme assim, tão especial.

Ferrugem e Osso

De Rouille et d?Os

De Jacques Audiard. Com Marion Cotillard, Matthias Schoenarts, Armand Verdure e Céline Sallette.

Drama, França/Bélgica, 2012. Duração: 120 minutos. Classificação: 14 anos.

Estreia em Porto Alegre nesta sexta-feira, no Guion Center 1 e no GNC Moinhos 4.

Cotação: 4 estrelas de 5.

Em cartaz:

Guion Center 1 (14h15, 16h25, 18h40, 20h50)

GNC Moinhos 4 (14h15, 16h40, 19h15, 21h30)