Santa Catarina lidera um ranking infeliz: é o Estado em que há maior desigualdade entre homens e mulheres no acesso ao crédito rural. No ano passado, dos 99,6 mil contratos concedidos pelo Programa de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) em SC, apenas 9% foram para mulheres. Além de ser um cenário ruim, tem piorado com o passar do anos. Em 2015, esse número foi de 9,6% e em 2014, de 10,3%.
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O programa financia investimento e custeio em uma ampla variedade de segmentos agropecuários. Há linhas de crédito até mesmo para atividades não agrícolas do meio rural, como o turismo. Por isso, é uma fonte de verba importante para o campo.
Segundo a coordenadora estadual de Mulheres da Federação dos Trabalhadores da Agricultura (Fetaesc), Agnes Weiwanko, a questão cultural é o maior entrave no acesso das agricultoras ao crédito.
— Pela nossa colonização, alemã e italiana, a cultura é muito machista, o homem manda na casa. Muitas vezes é a própria mulher que faz quase tudo na propriedade, mas na hora de buscar o crédito é homem que vai ao banco – afirma.
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A cultura patriarcal faz com que a mulher seja vista – e também se veja – como uma colaboradora do homem, nunca como protagonista, coisa que Weiwanko observa na prática:
— Quando damos cursos de empreendedorismo, vemos que elas chegam sem dar valor ao próprio trabalho porque acham que só o que o homem faz, a produção que é vendida, é que tem valor. Então eu sento e faço uma conta com elas: quanto custa o serviço de casa, a criação das galinhas, a horta que elas mantêm. Só então elas percebem o valor do que fazem – diz Agnes, que também é agricultora.
Piauí é o mais igualitário
No Brasil, cerca de 30% do crédito rural vai para mulheres. O Estado mais bem colocado no quesito é o Piauí, onde 46,6% dos contratos do Pronaf se destinaram a agricultoras em 2016. No entanto, de acordo com o secretário de Estado do Planejamento de SC, Murilo Flores, que esteve à frente da implantação do programa nos anos 1990, não é uma realidade comparável à de Santa Catarina por se tratarem de estruturas sociais muito distintas.
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— No Nordeste, muitas vezes as mulheres se tornam protagonistas porque, por conta da pobreza, os homens deixam o campo e migram em busca de emprego – explica Flores.
A falta de equidade de gênero no meio rural é uma constante nos países em desenvolvimento. Um relatório da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO) publicado em 2013 demonstrou que, mesmo que as mulheres venham aumentando a participação como chefes de propriedades, elas têm ainda terras menos produtivas e menores na comparação com as dos homens, além de menos acesso a assistência técnica e crédito. As consequências desse desequilíbrio são sociais e econômicas, diz o representante da FAO no Brasil, Alan Bojanic.
— Perde-se muito, muito mesmo, com isso. Porque quando você deixa de dar crédito a uma mulher, ou deixa de dar um título de terras a ela, você está deixando de fora empreendedoras, pessoas que podem dar uma grande contribuição à economia. Não é só um tema social, de justiça, é um tema também econômico – explica.
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Na visão do coordenador de políticas públicas da Epagri, Célio Haverroth, essa desigualdade também contribui pára que as mulheres jovens deixem o campo em busca de protagonismo na cidade. Para ele, faltam ações mais dirigidas e seria necessária uma articulação entre todos os órgãos.
A solução não é simples. Por mais que haja políticas públicas específicas, o grande desafio é empoderar a mulher do campo.
— O Pronaf criou o Pronaf Mulher por exemplo. O problema é que o resultado disso demanda tempo. É como na política: temos até cotas, mas há dificuldade em preencher as vagas para mulheres nas eleições. E por quê? Porque o mundo da politica foi feito com base na visão dos homens. Esse mundo tem que se transformar para a mulher entrar – analisa Murilo Flores.
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O representante da FAO diz que a evolução cultural passa por “cutucar e falar sobre o assunto”, mostrar que existe machismo, que ele afeta a todos e que é preciso haver mudança.
A coordenadora de Mulheres da Fetaesc acredita que a mudança tem acontecido, ainda que lentamente. Mas há muito a ser enfrentado.
— Vemos que às vezes as mulheres até têm a iniciativa de se educar e empreender, mas para fazer um curso não têm onde deixar as crianças por exemplo, quase não tem creche no meio rural, E sofrem com outros problemas sérios, como a violência doméstica. Quando conseguem fazer um desses cursos que damos, vemos uma diferença enorme em como elas eram quando entraram e como saíram, é outra autoestima, outra motivação – diz.
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