As praias, no Brasil, são locais públicos. Leis e normas de circulação regem o comportamento de seus frequentadores: embarcações motorizadas são controladas pela Marinha. As atividades relacionadas à pesca também são regulamentadas. Até mesmo quem quer praticar esportes na praia tem horários específicos para isso.
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Topless, animais de estimação e carros na praia, tudo é motivo de debate. Mas a principal atividade náutica e o segundo esporte mais praticado do país – com mais de 8 milhões de adeptos -, atrás apenas do futebol, não possui nada que organize sua prática.
As regras de conduta são implementadas – e muitas vezes, impostas – pelos próprios surfistas, que, em alguns casos, veem-se também com poderes para punir os que não respeitam a preferência dos surfistas nativos da praia, numa prática denominada localismo. Foi o que foi registrado por um vídeo feito por um frequentador da praia do Campeche, no Sul da Ilha, em 5 de agosto, que originou reportagens da RBS TV sobre as agressões.
>> Assista ao vídeo no site do G1
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Um mal necessário?
Todo surfista conhece a ideia de que quem vem de fora não tem os mesmos direitos que os locais. Estes sabem os melhores lugares para pegar onda, que geralmente é uma faixa restrita do mar, e os haoles (quem é de fora) devem respeitar o espaço que eles precisam para a prática. Muitos veem o localismo – sem agressões físicas – como um mal necessário para organizar a disputa pelas ondas e manter a praia limpa e preservada.
O problema é quando ocorrem casos exagerados, nos quais surfistas locais agridem, verbal e fisicamente, aqueles que surfam nas “suas” ondas, acabando também com o espírito de um esporte de tranquilidade e harmonia. O localismo passa a ser um crime.
Esses casos existem, e são tão comuns que todos os surfistas entrevistados pela reportagem pediram para não serem identificados.
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Localismo em Santa Catarina
Por mais que muitos gostem de pegar ondas sempre no mesmo local, isso nem sempre é possível, já que dependem das condições meteorológicas para a prática, além de outras imposições sazonais, como a pesca da tainha.
O surfista D.F, 31, explica que durante a pesca da tainha, não pode surfar nos Ingleses, onde costuma, e acaba indo pro Moçambique, que é a praia liberada mais próxima. A conduta nesse caso precisa ser de cautela, já que o mar estará mais cheio.
– E quando a ondulação de leste esta grande e bate o vento sul, ocorre o inverso:
os Ingleses são uma das únicas opções de surfe no Norte da Ilha, e a galera do Moçambique vai para lá. Sempre acontece um atrito, mas nunca vi nada grave.
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Para ele, na Ilha, o localismo é mais forte no Campeche, Matadeiro e Joaquina, que são também as mais procuradas pelos surfistas.
L. M., 26, costuma surfar no Campeche, Matadeiro, Guarda do Embaú e Garopaba. Quando vai a uma praia diferente dessas, explica que é necessária uma
conduta diferente da usual:
– Nos locais que você frequenta sempre, pode ir direto para os pontos de melhor onda, já que conhece todo mundo. Ao chegar a uma praia nova, você fica mais reservado, em uma parte não tão boa para pegar onda. Com o tempo, vai conhecendo as pessoas e naturalmente indo para o ponto de melhor quebra de onda, mas é preciso paciência, não pode querer chegar e na mesma hora ir direto ao melhor lugar.
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O caso de Atalaia, em Itajaí
Até os anos 1970, a praia de Atalaia era dominada por paulistas e cariocas, e a primeira geração de surfistas de Itajaí ainda se desenvolvia.
O documentário “Restrito”, lançado no ano passado, relata a história de como os locais ganharam respeito dos haoles e impuseram uma rígida hierarquia na praia, que dura até hoje, e faz da região um mito no aspecto do localismo.
A fama do local percorre o país pela qualidade da onda e pelo difícil acesso dos surfistas de fora. L.M. conta que a região é temida, por muitos surfistas terem carros vandalizados e pneus furados.
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Localismo na elite do esporte
Todo surfista sabe: se rabear a onda de alguém (entrar na frente da onda de um outro surfista), vai ter problemas, não importa se você é iniciante, profissional, ou campeão do circuito mundial de surfe (World Championship Tour – WCT).
EM 2013, Joel Parkinson, então campeão, estava treinando em Peniche, Portugal, rabeou a onda de um local, e, além de ouvir desaforos, levou um tapa no rosto.
No mesmo ano, durante o WCT no Rio de Janeiro, houve confusão entre locais do Arpoador e os organizadores do campeonato. Boatos de que ateariam fogo no palco do evento correram a praia, mas não foram registrados problemas além da tensão entre as partes. A secretária da Federação de Surfe do Rio de Janeiro foi demitida após postar nas redes sociais críticas ao comportamento dos locais.
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Fábio Gouveia, lenda do surf nacional, conta no vídeo como foi difícil disputar espaço com os locais no Havaí.