O documento que denunciou policiais militares à Corregedoria da PM horas antes da da ação ilegal que expulsou um grupo de pessoas em situação de rua de Itajaí revelou detalhes do que teria acontecido no último ano. Segundo a denúncia, os casos de tortura por policiais militares contra essa população começaram em outubro do ano passado e, além das agressões, havia regras impostas às vítimas, como o “toque de recolher” às 22h, quando os andarilhos precisavam sair da cidade.

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O documento contém ao menos 13 depoimentos. Conforme o portal g1, a denúncia foi protocolada na tarde de segunda-feira (31) e a operação de agentes à revelia, com viaturas oficiais da corporação, ocorreu na madrugada de terça (1º).

Sobre o assunto, PM disse que os casos são apurados e que outros detalhes não serão divulgados até o fim do Inquérito Policial Militar (leia a íntegra da nota abaixo). O Ministério Público também acompanha o caso.

Um ano de violência

Os relatos foram registrados por profissionais da saúde que acolhem as vítimas na cidade e são situações que teriam ocorrido entre outubro de 2022 até outubro deste ano. O Centro de Direitos Humanos de Itajaí (CDHI), que elaborou o documento, afirmou que o nome dos envolvidos não foram divulgados por conta do medo de represálias.

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Em um dos casos, um adolescente com sinais de agressão e outros homens que chegaram à unidades de saúde com fraturas e machucados citaram ameaças de morte e toque de recolher após as 22h.

“Jogam no camburão e levam para o riozinho na Ressacada” (local afastado do centro da cidade onde aconteceriam as agressões).

Um homem de aproximadamente 35 anos disse que coletava reciclável na rua quando policiais o chutaram, deram um soco na costela e pediram o documento dele.

Ministério dos Direitos Humanos acompanhará investigação sobre policiais de Itajaí

“E não conseguia lembrar o número completo, então deram mais chutes e um deles disse: ‘estou doido pra te matar e te jogar dentro do rio’ [sic]”. O homem se recusou a prestar queixa, conforme o documento. “Senão, na outra vez, me matam mesmo”, afirmou.

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Há também relato em que um homem descreve ter sido agredido, internado e, depois, voltou a ser espancado pelos agentes: “Eles me marcaram e quando me encontram metem porrada, para maltratar mesmo”. relatou.

Outro, também coletor de recicláveis que sofreu uma fratura no tornozelo, disse ter apanhado com coronhadas e ameaçado de morte:

“Chegaram dois PMs, um moreno e um claro, me bateram com cassetete, deram coronhada, ameaçaram me matar. Bateram mais nas pernas. Já apanhei da PM antes, mas nunca desse jeito”.

Entre as denúncias, o depoimento de um adolescente de 15 anos em situação de rua e dependência química que foi abordado em março de 2022 menciona coronhadas no rosto e cabeça. O Conselho Tutelar foi acionado, segundo a entidade.

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Conselho Nacional de Direitos Humanos pede afastamento imediato de PMs de Itajaí

Um homem entre 40 e 45 anos, em situação de rua e dependência química, que foi internado no Hospital Marieta e recebeu alta em setembro, afirmou que dormia em uma casa abandonada e foi acordado pela PM, “tendo sofrido agressões com barra de ferro, causando fraturas nas costas”, diz o documento.

A vítima não quis informar os detalhes da ocorrência e disse, apenas, que foi “agredido pelo PM ‘que toca o terror nos moradores de rua’ com uma barra de ferro”.

Expulsos

Conforme o documento, um homem relatou que população de rua tem um toque de recolher e, que tem até as 22h para deixar a cidade, caso contrário os policiais abordam os que estão dormindo, acordam, “jogam no camburão e levam para o riozinho na Ressacada”. No local, as vítimas sofreram as agressões.

“No decorrer das agressões os agentes perguntavam se preferia ‘levar um tiro ou ser todo quebrado’. ‘Me bateram, eu tava algemado (está com lesões nos pulsos), era ripada nas pernas, nos pés, pedrada nas costas, dói as costas e a bacia’, ‘eu tava dormindo’ [sic]”, descreve o documento.

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MPSC vai acompanhar caso

O Núcleo de Enfrentamento aos Crimes de Racismo e Intolerância (Necrim) vai acompanhar a investigação do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC). A Corregedoria-Geral foi acionada para prestar esclarecimentos.

“Identificamos possível abuso de autoridade, materializado por práticas como golpes com barra de ferro e ameaças de morte, em abordagens que sequer tinham motivação para serem feitas”, informou.

A 1ª Promotoria de Justiça da Comarca de Itajaí pediu à PM para instaurar sindicância a fim de apurar o possível envolvimento de militares no caso das pessoas em situação de rua.

Com o caso da ação ilegal da PM vindo à tona, o centro enviou um ofício à promotoria de Justiça e acionou a Comissão de Monitoramento de Violações em Direitos Humanos do Conselho Estadual de Santa Catarina.

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Nesta quarta-feira (1º), a OAB pediu esclarecimentos sobre a ação de terça e destacou repudiar com veemência o episódio. “Violações de direitos básicos da população em situação de rua não condizem com a sociedade que buscamos” (leia a íntegra da nota no fim do texto).

O que diz a PM

Sobre a informação de que pessoas em situação de rua foram retiradas da cidade de Itajaí sendo conduzidas até a BR 101, o 1º Batalhão de Polícia Militar esclarece que:

Não se tratava de uma operação policial institucional e integrante de planejamento prévio, tendo sido feita à revelia e sem conhecimento do Comando do Batalhão;

As operações pela Polícia Militar que tem como foco as pessoas em situação de rua são realizadas em conjunto com outros órgãos, em especial a Assistência Social, a fim de assegurar as garantias fundamentais e dar o correto encaminhamento dentro do rol de direitos que estas pessoas possuem;

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Por fim, ressaltamos que este fato será apurado mediante IPM (Inquérito Policial Militar), para saber os motivos em que tal situação ocorreu; bem como, após a conclusão das devidas investigações, os responsáveis possam ser identificados e devidamente responder perante a legislação vigente a cerca de seus atos.

O que diz a prefeitura de Itajaí

A Secretaria de Assistência Social realizou na manhã desta terça-feira (31) o atendimento do grupo de pessoas em situação de rua que estava às margens da BR-101. Todos estavam em Itajaí e já eram usuários dos serviços assistenciais do município.

Dezoito pessoas estavam no local durante a abordagem e foram encaminhadas ao Centro POP para acolhimento, repouso, alimentação, higiene e atendimento técnico com psicóloga e assistente social. Nenhum deles aceitou encaminhamento para comunidade terapêutica ou quis auxílio para contatar familiares para restabelecimento de vínculos. Todos optaram por permanecer em situação de rua.

No primeiro semestre deste ano, a Assistência Social realizou mais de 5 mil atendimentos nas ruas e em outros espaços de acolhimento da cidade. Diariamente, cerca de 140 pessoas em situação de rua são atendidas no Centro POP.

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Essas pessoas são recorrentes e são acompanhadas pelas equipes para tentar reverter o quadro em que se encontram, em sua maioria com vínculos familiares rompidos e com dependência química. Entre os serviços oferecidos está o atendimento psicológico e assistencial, o encaminhamento para comunidades terapêuticas, o contato com familiares e o encaminhamento quando a família aceita receber a pessoa.

Além disso, é fornecido todo o suporte básico para garantir a dignidade dessas pessoas, como espaço para banho, roupas, lanche e espaço para repouso. O local funciona de segunda a sexta, das 6h às 18h.

Além do Centro POP, os educadores sociais da Abordagem Social trabalham de segunda a sexta, das 7h à meia-noite, e nos fins de semana, das 7h às 19h, no atendimento de pessoas em situação de rua para conscientização e encaminhamentos necessários. A abordagem pode ser acionada pelo número (47) 99919-8961.

O que disse a OAB de Santa Catarina

OAB/SC pede esclarecimentos e emite nota oficial sobre Operação clandestina que resultou na agressão a pessoas em situação de rua em Itajaí.

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“A Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional de Santa Catarina, por intermédio de sua Comissão de Direitos Humanos, vem a público repudiar com veemência o episódio ocorrido na madrugada de terça-feira, na divisa entre os municípios de Balneário Camboriú e Itajaí, envolvendo cerca de 40 pessoas em situação de rua e policiais militares.

As violações de direitos básicos da população em situação de rua não condizem com a sociedade que buscamos e com a missão institucional da OAB de zelar pela defesa dos direitos humanos e pela ordem democrática. A OAB/SC reitera seu compromisso com a busca pelo acesso de todos os cidadãos às mesmas condições de igualdade, direitos e justiça social.

Nesse mesmo sentido, a OAB/SC presta total solidariedade às vítimas e comunica que está empreendendo todos os esforços necessários para apuração dos fatos e responsabilização dos policiais envolvidos. Enviamos ofício ao Comando da Polícia Militar de Santa Catarina solicitando o acompanhamento institucional do caso.

Este lamentável episódio só reforça a necessidade de voltarmos um olhar mais humanizado à população em situação de rua e nos mostra a importância da promoção permanente de políticas públicas de amparo social adequado a essas pessoas.

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Confiante nas instituições, esperamos que haja a necessária apuração dos fatos e punição exemplar dos envolvidos, para que esse humilhante caso não se repita e para que possamos continuar construindo um país justo, democrático e verdadeiramente igualitário”.

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